Está sendo pautado para votação na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (02/09/2021) o PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 112, DE 2021, que pretende substituir o anterior Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 1965), a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64, de 1990), a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096, de 1995), a Lei das Eleições (Lei nº 9.504, de 1997) e a Lei do Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular (Lei nº 9.709, de 1998.).
Entre tantas inovações – umas
tidas por avanços outras retrocessos – o projeto traz à baila a proposta de inelegibilidade
de magistrados, membros do Ministério Público (Artigo 181, XIV) e de militares,
das Forças Armadas e das polícias e bombeiros estaduais (Artigo 181, § 8º) e das agências de segurança
pública (polícia federal, polícias rodoviária e ferroviária federais, polícias
civis e guardas municipais; Artigo 181, § 9º), não tenham se afastado
definitivamente de seus cargos e funções até 5 anos anteriores ao pleito.
A ideia surge em substitutivo
apresentado pela deputada piauiense Margarete de Castro Coelho, uma advogada e
professora de formação, com pesquisas em nível de doutoramento e mestrado sobre
direito político e que, num de seus artigos (A representação política e os
ideais democráticos de participação e soberania popular) traz da obra do
cientista político francês Pierre Rosanvallon conceitos de 3 espécies de
legitimidade: legitimidade de imparcialidade, de que seriam dotadas
instituições que operam lateralmente ao Estado na realização de políticas
pública, legitimidade de
reflexividade, construída por aqueles que pensam na democracia fora das arenas
partidárias (Poder Judiciário, comunidade acadêmica etc.) e a legitimidade
de proximidade, própria daquele cidadão que busca sua participação
individual sem compor grupos partidários, agências estatais ou mesmo
organizações do terceiro setor.
O interesse pela busca de
referenciais acadêmicos pesquisados e produzidos por Margarete Coelho surgiu exatamente
porque, à primeira vista, parece nos chocar sua propositura, que vai na
contramão da própria abertura democrática inaugurada pela Constituição de 1988.
Magistrados, membros do
Ministério Público e militares já são impedidos de dedicarem-se à atividades
político-partidárias; em 2017 a União Nacional dos Juízes Federais do Brasil bateu
às portas do Supremo Tribunal Federal requerendo, com suposto fundamento na
Convenção Americana de Direitos Humanos, o reconhecimento do direito dos
magistrados ao exercício de atividade político-partidária, o que foi negado;
semelhantemente acontece com os membros do Ministério Público, a teor das Resoluções
nº 22.012 e 22.095, ambas editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral no ano de
2005 e que proíbem a filiação partidária.
Quanto aos militares, na
história brasileira, vê-se que sempre sofreram limitações aos direitos
políticos e de cidadania; na Constituição de 1891 as praças de pré
(soldados e cabos, grande massa do efetivo) não podiam se alistar como
eleitores e tampouco serem eleitos (artigo 70, § 1º, 3º), regra que prevaleceu
na Constituição de 1934 (artigo 108, parágrafo único, alínea b), na
Constituição de 1937 sequer graduados, mas tão somente os oficiais (artigo 117),
na Constituição de 1946 a restrição voltava a atingir somente cabos e soldados (artigo
132, parágrafo único), o que se repetiu na Constituição de 1967 (artigo 142, §
2º) e na Emenda Constitucional de 1969 (artigo 147, § 2º). Na Carta de 1988
eles passaram a ser alistáveis como eleitores, sem qualquer distinção, e
elegíveis aos cargos políticos, porém, aqueles que contarem com menos de dez
anos de serviço, deverão se afastar da atividade e, se tiverem mais de dez anos
de serviço, serão agregados (afastados do serviço) e, quando eleitos, no ato da
diplomação passam para a inatividade (na linguagem leiga: são aposentados
compulsoriamente), com proventos proporcionais ao tempo de serviço e de
contribuição à previdência (sistema de proteção social, na linguagem atual).
Assim, na Constituição de 1988
somente restaram inelegíveis aqueles que forem inalistáveis (aqueles que não
podem se alistarem como eleitores: os estrangeiros e, durante o período do
serviço militar obrigatório, os conscritos) e os analfabetos (artigo 14, § 4º),
sendo condições de elegibilidade a nacionalidade brasileira, o pleno exercício
dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição
e a filiação partidária; aos analfabetos o alistamento como eleitores passou a
ser facultativo, não mais proibido como antes e, tampouco, obrigatório.
O que se viu com o passar dos
tempos foi uma abertura para a plena cidadania, na medida em que os direitos
políticos estão no plano dos Direitos Fundamentais e, mesmo com justificáveis
limitações, a tendência à sua aniquilação vai de encontro aos fundamentos do
Estado Democrático de Direito proclamado pela Constituição Cidadã.
Agora, apelidada de quarentena
a exigência um afastamento prévio de 5 anos em relação ao pleito, é visto,
por setores representativos das categorias atingidas, como inconstitucional e
uma afronta aos direitos fundamentais de natureza política, que não poderiam
ser modificados sequer por Emenda Constitucional, porque considerados cláusulas
pétreas (nome dado àquelas normas constitucionais imutáveis).
Particularmente, sem me
manifestar aqui sobre o mérito da discussão, mas somente quanto à eventual
inconstitucionalidade, não observo total inconstitucionalidade na proposta,
pois a Constituição Federal em seu artigo 14, § 9º deixou bem claro que: Lei
complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua
cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para
exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e
legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso
do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Nessa linha de raciocínio, somente
observo que o tema é matéria reservada à lei complementar e não ordinária, daí,
para aprová-la é necessário 257, dos 513 deputados federais e 42, dos 81
senadores, votando SIM (algo semelhante ao que já aconteceu quando da
aprovação da Lei da Ficha Limpa).
Todavia, quando digo que não
observo total inconstitucionalidade na proposta faço ressalva, em relação aos
militares da ativa, aos quais – como já explicamos – se contarem menos de dez
anos de serviço, deverão simplesmente se afastarem da atividade e, se com mais
de dez anos de serviço, serão afastados temporariamente do cargo no período
eleitoral, somente passando para a inatividade definitiva no ato da diplomação, se eleitos; já com
relação aos militares inativos (como se diria, os aposentados) vejo
que a quarentena proposta não viola a constituição.
Dizem alguns, que a proposta
tenha um objetivo oculto: impedir a candidatura do ex-Juiz Federal e
ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro... Será? O fato é que aquilo que, como dizem
alguns, houve em 2018 aqueles que surfaram na onda Bolsonaro (em menor
quantidade foram os bem-sucedidos em 2020)... Será que é isso que o projeto
pretende inviabilizar? Quem sabe...
Só espero uma coisa com muita
ansiedade: venham logo o primeiro e, se necessário, o último domingo de outubro
de 2022; o Brasil precisa avançar.