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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


Mercado da Cannabis, racismo herbóreo e lógica

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
18/11/2021 às 12:28
Azor Lopes da Silva Júnior

A defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal, supostamente caracterizador do delito de apologia de fato criminoso, representa, na realidade..

A defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas, longe de significar um ilícito penal, supostamente caracterizador do delito de apologia de fato criminoso, representa, na realidade, a prática legítima do direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião, sendo irrelevante, para efeito da proteção constitucional de tais prerrogativas jurídicas, a maior ou a menor receptividade social da proposta submetida, por seus autores e adeptos, ao exame e consideração da própria coletividade (trecho final do voto do Ministro Celso de Mello na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187, ajuizada pela Procuradora-Geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, contra a proibição de manifestações públicas em defesa da discriminação do uso de drogas. Plenário do STF, 15 de junho de 2011).


Para Aristóteles a arte imita a vida, já para Oscar Wilde a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida. Se a arte está a anunciar e reforçar uma realidade que está brotando ou se ela está apresentando para a sociedade uma nova ordem ainda não experimentada, só Deus sabe; o que sei, é que não me parece ser à toa que certos temas se transformem em roteiros, nem que certos roteiros sejam concebidos para nos apresentar temas antigos com um novo figurino...


Para quem – como eu – é apaixonado pela sétima arte, e não só devora, mas também reflete sobre essas obras, vale a pena assistir Billions na Netflix. É daquelas séries de intrigadas relações humanas e éticas em torno do mercado financeiro norte-americano e que hoje (2021), já na sua quinta temporada e 11º episódio (Victory Smoke), me chamou a atenção, tão somente porque dias após, por eventual coincidência, acabei por assistir ao episódio Cannabis S.A., do programa Entre Mundos da CNN Brasil, veiculado no domingo (07/11), onde o apresentador, Pedro Andrade, visitou a loja Green Muse, do empreendedor Karanja Crews, e a Magic Hour, de propriedade de um casal que vende produtos a base de cannabis, chegando até a petiscar recreativamente a erva.


Em Billions, onde o gênio nada ético do mercado de futuros, Bobby Axelrod, acaba caindo numa trama armada pelo procurador-geral de Nova York, Chuck Rhoades, mancomunado com Mike Prince, Kate Sacker e o diverso Taylor Mason, que lhe resulta acusação de financiar narcotráfico ilícito em favor da executiva-chefe da Fine Young Cannabis, Dawn Winslow.


Dawn Winslow e sua empresa Fine Young Cannabis são do ramo de comércio legal de maconha em Nova York, contudo a empresa acaba terceirizando venda de droga produzida ilegalmente por narcotraficantes; e é aí que Bobby Axelrod e seu Axe Bank se dão mal e caem na armação do promotor Chuck Rhoades.


O que me chamou a atenção tanto na arte de Billions, quanto na realidade de Entre Mundos foram duas questões: a romantização ética e a monetização legal da droga; de um lado Pedro de Andrade apresenta os empresários alternativos como artesãos de uma nova ordem de costumes, discute mitos sobre o uso de maconha, compara isso ao hábito de seu pai em tomar Whisky nos finais de tarde, e atrela esse cenário a questões sociais; de outro lado, Billions mostra o apetite do mercado capitalista nessa nova fatia do mercado consumidor – daí seu interesse na legalização e ruptura com preconceituosos e caretas discursos opositores.


Era o dia 15 de junho do ano de 2011, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou que a Marcha da Maconha representava mero exercício dos direitos à liberdade de expressão e de reunião (artigos 5º, incisos IV, IX e XVI, e 220 da Constituição Federal).


Confesso que ainda me causa estranheza, que tenha sido o Ministério Público quem tenha ajuizado defesa à Marcha da Maconha, mas reconheço que sua luta tenha sido pelas liberdades públicas, em aparente choque com a ordem jurídica estabelecida pelo artigo 287 do Código Penal (Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.); pedia a Procuradora-Geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, que o STF, pela via da técnica da interpretação conforme (significa interpretar a lei [Art. 287 do Código Penal] a partir dos direitos constitucionais), para excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos”.


Mas que conexão poderia haver entre um caso julgado há 10 anos (STF, ADPF 187), um episódio de uma série (Billions, Netflix, 2021) e um documentário (Cannabis S.A., Entre Mundos, CNN Brasil, 07/11/2021)?


Observo que vem se acentuando uma pressão do mercado financeiro dirigida a romper com a cultura social majoritária de repulsa à maconha; e essa pressão é contínua, paciente e sedutora. A legalização da produção e consumo de maconha tende a evoluir do uso medicinal para o recreativo, como já se espalha por alguns estados dos Estados Unidos, alguns países da Europa e, na América Latina, Uruguai. E o que não faltam são maconheiros a marcharem nessa defesa... (perdoem-me o termo chulo; tomara que também não seja considerado crime de racismo herbóreo).


Mas observo mais... Em Billions, o que deveria ser um mero negócio financeiro de fomento entre o Axe Bank e a empresa Fine Young Cannabis desborda para crime de financiamento de tráfico ilegal de drogas, porque a empresária Dawn Winslow tomou empréstimo bancário junto a Bobby Axelrod e com o dinheiro investiu na compra de no mercado ilegal internacional; ora, seguramente o mercado ilegal do narcotráfico internacional, livre das amarras fiscais e trabalhistas, oferece preços bem mais atrativos que os produtores legalizados de maconha...


Legalizar então resolve? Se a legalização resolvesse algo para as drogas ilícitas como a maconha, também seria de se esperar que tivesse resolvido com relação às drogas lícitas (cigarros de tabaco e bebidas alcoólicas); ao contrário, o mercado paralelo (contrabando e descaminho) sobrevive e ainda alimenta toda uma cadeia de produção e de corrupção de agentes públicos... A lei do mercado, além de mais forte e eficiente ainda se sobrepõe à lei do Direito que, não bastasse, ainda sofre a tal interpretação conforme... Imaginem conforme o quê?


Este artigo pode até parecer um pouco reacionário; alguns poderiam até interpretá-lo como conservador ou mesmo, por que não dizer, careta... Mas o tom da prosa não é a defesa ou o ataque ao consumo de drogas, tampouco à sua criminalização ou descriminalização; a questão é do exercício de raciocínio lógico, para pôr em xeque argumentos frágeis sempre recorrentes sobre o tema.


Avançando no campo da lógica, veja-se que, especialmente a partir da campanha conduzida pelo Ministério da Saúde em 1996, a propaganda do cartunista Ziraldo, premiada pela Organização Mundial da Saúde, fixou um novo conceito de que fumar cigarro de tabaco seria cafona, brega, careta e patético; seguiram-se proibições de propaganda, mensagens e fotos repulsivas estampadas nas carteiras de cigarro e, finalmente, a proibição de fumar em quase todos os espaços públicos...


Ora, fumar é brega, cafona, careta e patético, enquanto fumar maconha é Cult?


Seria o caso de os Cowboys de Marlboro saírem numa Marcha do Tabaco?


Em tempo: no título deste artigo, Racismo Herbóreo, é nossa alusão irônica ao julgado pelo STF, coincidente também relatado por Celso de Mello, e que pode ser conferido AQUI no DLNews






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