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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


O "PACOTE ANTICRIME” VOLTA À MÍDIA COM A DERRUBADA DOS VETOS PRESIDENCIAIS

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
28/04/2021 às 14:38
Azor Lopes da Silva Júnior

Para entender bem em que contexto os vetos recentemente rejeitados pelo Congresso Nacional, sobre o conhecido "Pacote Anticrime”, que resultou na Lei 13.964, promulgada com esses vetos no ano de 2019, é interessante relembrar as principais mudanças que o "pacote”, em boa parte idealizado pelo ex-Ministro Sérgio Moro, trouxe na legislação brasileira.

No Código de Processo Penal a execução provisória (ou antecipada) da pena foi a principal novidade, o que reafirmou, na lei processual penal, o que já era previsto em relação aos chamados "recursos nobres” (recurso extraordinário ao STF e recurso especial ao STJ), que já não tinham o chamado efeito suspensivo, o que já permitia a execução da pena após a condenação reafirmada em segunda instância; todavia, surpreende que o projeto tenha estabelecido que, até mesmo o recurso de apelação, esse efeito suspensivo não se aplique, o que altera a regra atual e supervaloriza as decisões monocráticas de primeiro grau de jurisdição, em detrimento, ao menos, do direito fundamental ao duplo grau de jurisdição. Também é de se estranhar que o dito "pacote” não tenha enfrentado a necessária alteração numa série de dispositivos processuais e de execução penais que continuam a exigir o trânsito em julgado (esgotamento das vias recursais) para cumprimento da pena: artigos 63, 92, 118, 377, 379, 669, 674 e 675, 686, 689, § 2º, 691, 752 e 753, 788, do Código de Processo Penal e na Lei de Execução penal, os artigos 160 e 171, do que resultaram contradições normativas dentro de cada código.

Um ponto polêmico veio da discussão sobre excludentes da ilicitude; afirmava, o então ministro da Justiça e da Segurança, ao apresentar seu anteprojeto: "apenas extraímos do conceito de legítima defesa o que a ela é pertinente”; de fato, o texto proposto e aprovado nada inovou, mas pior que isso, deu azo que fossem desagradados tanto gregos quanto troianos, na medida em que destoou dos anúncios feitos em campanha eleitoral por Jair Bolsonaro, de que policiais sequer deveriam ser processados em casos de conflito com criminosos, pois que se manteve a obrigatoriedade da ação penal sobre o agente policial e, a outros, serviu de retórica política para um discurso de impunidade a abusos policiais.

Com o "Pacote Anticrime” aprovado em 2019, surgiu a figura do "agente encoberto” ou "agente policial disfarçado”, como figura que fica imune à imputação de traficância e com isso legitima a ação policial que, até o momento, era tida pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras como "flagrante preparado” (teoria do crime impossível), como era enunciado pela Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal ("Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”).

Alterando a Lei de Execução Penal (artigo 112, V e VII) o "Pacote Anticrime” estabeleceu que réus condenados por crime hediondo com resultado morte somente passarão para regime prisional menos severo após cumprida metade da pena, mas se forem reincidentes em crimes hediondos ou equiparados com resultado morte, se exigirá 70% (setenta por cento) de cumprimento da pena.

Uma das propostas mais audaciosas foi a implantação do instrumento similar à "plea bargain” (ou "plea bargaining”) norte-americana, aqui denominado "acordo de não-persecução”; por esse instrumento, quando o acusado houver confessado circunstanciadamente a prática de infração penal, sem violência ou grave ameaça, e com pena máxima inferior a quatro anos, aceitando o dever de reparar o dano, renunciando aos instrumentos, produto ou proveito do crime, aceitando a prestação de serviço à comunidade e ao pagamento de prestação pecuniária e a outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Infelizmente, a utilização de "sistema de videoconferência” para a prática de atos judiciais, foi timidamente enfrentada pelo "Pacote Anticrime”, que seguramente poderia ter avançado para além da mera proposta de que essas medidas sejam efetiva e definitivamente implementadas pelos magistrados criminais, o que reduziria riscos, encargos e gastos orçamentários desnecessários, além de reduzir os gravíssimos impactos na segurança pública, no risco a que se expõe a sociedade e os agentes policiais, penitenciários e servidores do judiciário e, ainda, custos de recursos e energias públicos, no vai-e-vem de escoltas,.

Assim, tendo tramitado de 06 de junho de 2018, de início por proposta do Deputado Federal José Rocha e outros e mais tarde encampado por Sérgio Moro, até a sua promulgação, com vários vetos do Presidente Jair Bolsonaro, em 24 de dezembro de 2019, na forma da Lei nº 13.964, o "Pacote Anticrime” volta à curiosidade da mídia e tormento dos juristas.

Ocorre que no dia 19 de abril de 2021, o Congresso Nacional derrubou uma série dispositivos vetados pelo Presidente da República. A "derrubada de vetos” é tecnicamente denominada "rejeição ao veto”, para o que é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente; portanto mais da metade dos membros de cada Casa do Congresso Nacional. Bolsonaro havia vetado e agora, com a derrubada, passam a valer as seguintes regras penais e processuais no Brasil:

(1) o homicídio com uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido passa a ser crime qualificado, com pena de 12 a 30 anos de reclusão (o veto sustentava insegurança jurídica porque policiais usam essas armas nos conflitos com marginais);

(2) os crimes de calúnia, injúria e difamação passam agora a ter pena triplicada, quando praticados pelas redes sociais (o veto apontava que triplicar a pena seria excesso e que obrigaria a instauração de inquéritos, onerando o trabalho da polícia judiciária);

(3) passa a ser proibida a realização de audiência por videoconferência pelo "Juiz das Garantias”, que deverá ocorrer em até 24 horas após a prisão em flagrante ou por mandado judicial (o veto acolhia a videoconferência para atos judiciais);

(4) a defesa de policiais submetidos a inquéritos em razão do uso da força letal no exercício profissional passa a ser competência das Defensorias Públicas (havia veto a três dispositivos sobre esse assunto, sob o fundamento de que esse papel deveria ser das Procuradorias dos Estados e não das Defensorias);

(5) o condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, contra a vida, a liberdade sexual ou crime sexual contra vulnerável, será submetido à identificação do perfil genético (o veto, sobre três dispositivos da Lei de Execução Penal, veio porque o Poder Executivo queria incluir a medida para todos os crimes hediondos e seus equiparados, como a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo);

(6) agora, o "bom comportamento” carcerário é readquirido após 1 (um) ano de sua perda (o veto exigia que outros fatores, além do tempo, fossem considerados);

(7) passa a ser possível a captação ambiental, exceto na casa do suspeito (o veto, sobre dois dispositivos da Lei da Interceptação Telefônica, veio contra a expressão "casa”, que, juridicamente, também engloba qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva e compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade, onde seria interessante a escuta ambiental).

Ainda é cedo para ver os impactos processuais, na investigação criminal e na execução de penas a partir dessas novas regras, mas vale saber que cada uma delas terá um resultado mais ou menos inclinado à impunidade no Brasil, afinal, o objetivo inicial do "Pacote Anticrime” era exatamente diminuir a impunidade e modernizar a investigação criminal.






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