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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


Federação de Partidos : Um olhar a fundo (partidário)...

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
04/10/2021 às 10:41
Azor Lopes da Silva Júnior

Passados mais de 6 anos, desde o 4 de agosto de 2015, quando o então presidente do Senado, José Renan Vasconcelos Calheiros (MDB-AL), encaminhara para a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei do Senado nº 477, de 2015, no último 12 de agosto deste ano (2021) a matéria foi aprovada para criar a chamada Federação de Partidos

A ideia surgira pelo relator da Comissão da Reforma Política do Senado Federal, Romero Jucá (MDB/RR), e pretendia alterar a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096, de 1995) para permitir que partidos se reunissem, se constituíssem e se registrassem no Tribunal Superior Eleitoral e, a partir daí, passassem a atuar como se fossem uma única agremiação partidária em federação.

Tudo corria bem nos últimos dias, até o presidente Jair Bolsonaro vetar o projeto em 08 de setembro, apresentando a seguinte razão: A despeito da boa intenção do legislador, em que pese as regras específicas que buscariam conferir mais estabilidade para a federação partidária, a referida proposição contraria o interesse público, visto que inauguraria um novo formato com características análogas à das coligações partidárias. A vedação às coligações partidárias nas eleições proporcionais, introduzida pela Emenda Constitucional nº 97, de 4 de outubro de 2017, combinada com as regras de desempenho partidário para o acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão tiveram por objetivo o aprimoramento do sistema representativo, com a redução da fragmentação partidária e, por consequência, a diminuição da dificuldade do eleitor de se identificar com determinada agremiação. Assim, a possibilidade da federação partidária iria na contramão deste processo, o que contraria interesse público.

E veio bem o veto presidencial contra esse novo monstrengo, que se assemelha às coligações partidárias; de fato – dizem até mesmo os analistas políticos antibolsonaristas – o fim das coligações partidárias, operado pela Emenda Constitucional nº 97, antes mesmo da chamada Reforma Eleitoral de 2019 (Leis 13.877 e 13.878), teria enterrado essa excrecência própria do sistema eleitoral brasileiro, pela qual legendas se uniam simplesmente no período eleitoral, para aumentar seu tempo de propaganda eleitoral e as chances de os caciques das legendas de aluguel obterem maiores chances de ocuparem uma das cadeiras nas casas legislativas (exceto Senado). Era um algo para especialistas, que traçavam estratégias por expectativas de desempenho nas urnas, a partir de especulações balizadas pelo conhecido recall (quantidade de votos do candidato nas eleições anteriores), seguidas por intricados cálculos matemáticos de quociente eleitoral, quociente partidário e das sobras de votos; um exercício de premonição capaz de dar inveja a economistas, investidores do mercado de capitais e, até mesmo, astrólogos, como o guru verborrágico Olavo de Carvalho.

Ainda assim – e isso merece destaque – a Emenda Constitucional nº 97, de 4 de outubro de 2017, pois fim às coligações partidárias tão somente nas eleições proporcionais (disputa para as Casas Legislativas, exceto Senado), mas elas ainda são permitidas para as eleições majoritárias, nas quais são eleitos senadores e chefes do Poder Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos).

Postos os pingos nos is – uma coisa (coligações) é uma coisa; outra coisa (federações) são outra coisa – e em que pesem as razões adotadas pelo presidente da República para vetar o surgimento das federações de partidos, no dia 27 de setembro reuniram-se a Câmara dos Deputados e o Senado Federal em Congresso Nacional, sob a presidência do Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), para avaliar o veto presidencial...

Aqui vale mais uma explicação, sem tom professoral: para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente, ainda que a deliberação se dê em sessão conjunta; se não for obtida a maioria absoluta em ambas as Casas, o veto é mantido, do contrário ele é rejeitado (no jargão político: derrubado o veto).

No caso do projeto das federações de partidos, o veto acabou sendo derrubado pelo voto de 45 Senadores, contra 25 que o mantinham; 353 foram os Deputados Federais que optaram por derrubar o veto, contra 110, que concordavam com as razões invocadas pelo presidente da República para rejeitar a ideia da Federação de Partidos.

Surge, então, em 28 de setembro de 2021, pela nova Lei nº 14.208, o novo monstrengo: a federação de partidos.

É interessante analisar o processo legislativo e ver que, do partido que elegeu Jair Bolsonaro – o PSL – votaram contra o veto presidencial e a favor da Federação de Partidos os Deputados Federais paulistas Abou Anni, Bozzella, Coronel Tadeu, General Peternelli e Joice Hasselmann, enquanto se mantiveram alinhados com o presidente, rejeitando a Federação de Partidos, os Deputados Federais pesselistas Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Guiga Peixoto e Sua Alteza Luiz Philippe de Orleans e Bragança; os 3 senadores paulistas (Giordano, José Anibal e Mara Gabrilli) optaram por derrubar o veto e aprovar a Federação de Partidos.

Se fizermos um recorte partidário sobre essa votação, veremos que as bancadas se dividiram internamente e a unanimidade pela rejeição à ideia de Federação de Partidos somente aconteceu na bancada do Partido NOVO, enquanto a unanimidade no sentido oposto veio das bancadas do PSOL, PT, PTB, PV, Patriota e Republicanos; no PSL (partido que elegeu Jair Bolsonaro), dos 51 Deputados, 20 votaram contra o veto presidencial, entre eles estranhamente o ex-líder do governo na Câmara, Deputado Major Vitor Hugo...

Mas que vantagem Maria leva com esse novo monstrengo? Melhor ainda: a federação de partidos seria mesmo um monstrengo?

Vamos beber da fonte: o ex-Senador Romero Jucá (MDB/RR), relator da Comissão da Reforma Política do Senado Federal (2015); justificava ele e explicava que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, bem assim:

Diferentemente das coligações, cuja constituição se encerra no momento da proclamação dos eleitos, as federações de partidos mantêm compromisso com o exercício do poder político compartilhado no Parlamento, por parte dos partidos que a integram. Federações de partidos precisam mostrar identidade programática, registro na Justiça Eleitoral e, na forma proposta, vínculo de ao menos quatro anos. Para preservar o compromisso com o prazo de filiação à federação são estabelecidas sanções aos partidos que descumprirem essa regra. Se o partido solicitar sua desfiliação antes do prazo de quatro anos perderá o direito ao programa partidário no semestre seguinte e ficará proibido de participar de outra federação ou participar de coligação nas duas eleições seguintes, além de estar sujeito a outras penalidades.

Ainda assim, como sou brasileiro – e por isso não desisto nunca (mas desconfio sempre) – fico tentado a pensar que a tal vantagem que Maria leva seja driblar a regra da cláusula de barreira que, segundo analistas, atingiu gravemente no bolso  (entenda-se: fundo partidário) a maioria das legendas.

Esse fantasma (cláusula de barreira), que surgiu com a Emenda Constitucional nº 97, passou a assombrar mais da metade dos 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, desde a sessão plenária ocorrida em 18 de dezembro de 2018, quando a Corte definiu que passariam a ter acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão, tão somente os partidos que obtiveram na disputa de 2018, no mínimo, 1,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos nove deputados distribuídos em pelo menos um terço dos estados; era o pega prá capa, porque esses percentuais de desempenho são elevados a cada eleição (2% em 2022, 2,5% em 2026 e 3% em 2030)...

Isso é só o começo para entender por que legendas partidárias se fundiram e por que agora se aprova o monstrengo da federação de partidos... Também dá para entender o porquê de PSOL, PT, PTB, PV, Patriota e Republicanos, à unanimidade, derrubarem o veto à federação de partidos, ao lado do PT, que certamente pretende liderar uma aliança (federação) dos partidos de esquerda... Interessante é a fala já antiga (21/02/21) de Eduardo Ribeiro, presidente do Partido NOVO, que parece explicar o também porquê de haver o partido, meses após, haver votado pela manutenção do veto presidencial à federação de partidos:

Eu acho que ela (cláusula de barreira) é uma tentativa de corrigir justamente a distorção causada pelo financiamento público de campanha. Hoje temos fundo partidário e fundo eleitoral na casa de bilhões e isso fomenta a criação de siglas, pois virou um negócio vantajoso. O Novo sempre abriu mão do fundo partidário e do fundo eleitoral e vamos seguir assim. (Fonte: Gazeta do Povo. Wesley Oliveira, 21/02/2021).

Ora, como não concluir: a verdade está no fundo...






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