Ao entrar em contato com a produção intelectual e da trajetória de Lélia Gonzalez podemos notar a sua originalidade na desconstrução do discurso dominante euro-centrista e colonizador
Filha de uma empregada doméstica descendente de indígenas e de um
operário negro, Lélia Gonzalez (1935 – 1994) teve a oportunidade de estudar
além do ensino básico, uma vez que as pessoas pobres e negras deixavam a escola
para trabalhar. Após concluir o ensino secundário, estuda História e Geografia
na Universidade da Guanabara, atual Universidade Estadual do Rio de Janeiro -
UERJ. Conclui o mestrado em Comunicação e o doutorado em Antropologia Política.
Atuou como professora em escolas de nível médio, em faculdades e em
universidades. No decorrer de sua trajetória, declara que passou por uma
lavagem cerebral dada pelo discurso pedagógico brasileiro, porque ao aprofundar
seus conhecimentos rejeitava cada vez mais a sua condição de negra. Em 1964,
casa-se com o espanhol Luiz Carlos Gonzalez, um amigo de faculdade, momento
este no qual as reflexões sobre a questão racial se acentuaram, pois a família
do rapaz branco não aceitava a relação. Um ano depois, após o suicídio do
marido, a professora busca na psicanálise e no candomblé conhecimentos que se
tornaram referência em seu trabalho. Funda o Instituto de Pesquisas das
Culturas Negras, e em 1976 ministrou o primeiro curso institucional de cultura
negra no país. É uma das fundadoras do
Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial – MNU. Desse modo,
contribuiu para que o mito da democracia racial e a ideia do "contato
harmônico” entre portugueses, africanos e índios fosse desconstruído, pois
apagava a violência dessas relações e, consequentemente, negava a existência do
racismo.
Lélia cria um marco
conceitual para a compreensão da Identidade brasileira e de seus irmãos de
continente: a Amefricanidade. Assim,
propõe uma nova visão do feminismo que considera o caráter multirracial e
pluricultural da América Latina em contraposição à visão eurocêntrica,
culminando no que hoje se aproxima do feminismo interseccional que incorpora as
desigualdades de raça, gênero e classe, que questiona a ordem econômica e de
pensamento de grupos dominadores. É
autora de um Feminismo Afro Latino Americano, Festas Populares no Brasil, Lugar
de Negro e Lugar da mulher.
Em seu artigo Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, Lélia
ironiza a condição de meros objetos de pesquisa por pesquisadores brancos.
Usando conceitos de psicanálise de Jacques Lacan (1901-1981), questiona o fato
de mulheres não brancas serem o objeto de outros sujeitos, "faladas, definidas
e classificadas por um sistema ideológico de dominação que nos infantiliza”.