O dia era da Consciência Negra e o jornal local trazia como destaque mulheres negras que fazem a diferença em suas profissões. Para ilustrar, uma foto de página inteira em que se via a imagem de duas profissionais qualificadas.
Eu
estava sentada na mesa ao lado, quando, em meio a risos e gracejos, o colega de
trabalho compartilhou com outros ali comentários e insinuações sobre a
aparência das profissionais.
Eu
tinha repertório de sobra para convidar aqueles homens à reflexão, mas na hora
não consegui dizer nada. O máximo que deu foi levantar e ir até o banheiro
chorar de raiva por mais um episódio ‘banal’ na vida das mulheres –
brasileiras, pelo menos.
Aquele
fato me levou ao limite do suportar essas cotidianas inconveniências; ou
melhor, violências.
Homem
que conversa olhando para o decote da mulher (independentemente do tipo de
roupa). Homem que acha que tudo bem enlaçar a cintura da colega de trabalho.
Homem que não deixa passar uma mulher sem medi-la com os olhos, da cabeça aos
pés, mas sobretudo no quadril. Homem que para além do abraço consentido adora
tirar uma casquinha da abraçada.
Penso
no alvo das ações, mas penso também nas mulheres que fazem parte da vida desses
homens: esposas, filhas, mães... Eles esquecem que elas também sofrem? Ignoram
aquela máxima, ‘não faça aos outros o que não quer que façam a você’.
Não
há um dia sem que eu veja e/ou passe por coisas desse e outros tipos. Inclusive
nos ambientes profissionais. Se em qualquer espaço essas posturas masculinas
são ofensivas e ultrapassadas, no de trabalho elas são reprováveis e inadmissíveis.
É
absurdo que em pleno século 21, com todo conhecimento disponível, mulheres
continuem sendo tratadas como objetos expostos na vitrine, seres inanimados
disponíveis ao bel prazer masculino.
Se
passamos tanto tempo de nossas vidas no trabalho, é nele também que precisamos
enfrentar nossas mazelas culturais. O ambiente corporativo está na sociedade e
é responsável pela segurança e respeito às mulheres, nem que seja lidando com a
questão pela força da carreira e o peso das finanças.
Pense
comigo: se mulheres são constantemente constrangidas pelo que alguns entendem
como masculinidade, elas serão respeitadas e consideradas para postos de
liderança e chefia? Tão pouco! Não é só por isso que mulheres crescem menos na
carreira, mas é também por isso. Calar e consentir com comportamentos machistas
afeta da base ao topo e prejudica toda a dinâmica das relações profissionais.
Os
espaços precisam ser seguros e respeitosos para todos, especialmente para os
corpos que historicamente se encontram em desvantagem.
Alguém
pode dizer que as ‘gracinhas masculinas’ são elogio. Besteira pura! Quem quer
elogiar sabe como fazê-lo de forma respeitosa e agradável, sem invadir ou
diminuir a outra pessoa. Bons modos nunca impediram ninguém de demonstrar
encanto, legítimo interesse afetivo e até sexual.
Neste
março das mulheres eu poderia rogar pragas contra olhos, línguas e mãos de
homens que desqualificam essa categoria, mas só desejo mesmo que tenham
educação e exijo respeito.
Meninas, lembrem-se: quem deve sentir vergonha são eles, não nós.
Marcella Moreira, @marcella2m,
jornalista e servidora pública. Foi conselheira do Conselho Municipal dos
Direitos das Mulheres de Rio Preto de 2019 a 2021 e é ativista neste segmento