Ser mulher, preta, periférica, artista e obesa nesse nosso mundo, já é um ato de resistência desde que nascemos e me faz reconhecer como a Matemática – como uma ciência que estuda quantidades, medidas, espaços, estruturas e variações - para o feminino nunca foi uma ciência exata – no sentido de precisão e ausência de erros.
Toda
vez que sou convocada, até mesmo pela minha própria consciência, a falar ou
refletir sobre a condição de ser mulher no século XXI é um momento em que um
turbilhão de sentimentos, memórias, lágrimas e decisões tomam conta de mim e a
Matemática, com seus números, vem junto.
Certificar
que há apenas 200 anos usamos o termo abolição, que somente há 90 anos podemos
votar e exercermos mandatos políticos, que há apenas 16 anos existe uma lei que
é destinada a prevenir e coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, e que nesse mesmo país somente há 228
anos uma atriz pisou num palco teatral pela primeira vez, faz me sentir que a
Matemática feminina nunca será exata.
São números muito defasados da nossa realidade feminina. Pois se somos
quem gera, cria e quem na maioria das épocas sempre foi o esteio de um clã,
mesmo que não institucionalizadas, esses números não correspondem à realidade
de vida e soberania feminina. São séculos e séculos de uma atuação, na qual
somos fadadas ao anonimato e ou à inexistência aos olhos do Patriarcado, para
que sejamos reconhecidas em lugares e postos que de certa forma sempre fomos as
mentoras e/ou os esteios.
Sim, sempre fomos desbravadoras de nossos espaços como Dandara
dos Palmares, esposa de Zumbi dos Palmares, que liderou homens e mulheres e ajudou a proteger seu povo contra
constantes ataques. Falo também de Maria
Benedita de Queirós Montenegro, a primeira atriz profissional de Porto Alegre
de que temos registro como uma das primeiras do Brasil ou Antonieta de Barros,
a primeira mulher negra a ser eleita no país, que instituiu o marco para que os
educadores passassem a ser vistos como importantes agentes de mudanças na
sociedade.
Cito
ainda Carolina de Jesus, Dona Ivone Lara, Conceição Evaristo, Marielle Franco,
Benedita da Silva e citaria tantas outras mais que lutaram e lutam para que
nossa existência faça sentido. Para que a soma seja de uma equidade perfeita.
Para que o respeito esteja contido nos conjuntos de elementos diferentes. Para
que a divisão não tenha resto e que a dízima periódica - um resultado inexato repetitivo
e infinito-, não seja a representação de nossa condição feminina. A Matemática
é um substantivo feminino e esses números hão de mudar.
Beta Cunha, Atriz e Arte educadora, Psicóloga de formação, integra o
coletivo feminista Elas por Elas, Conselho Afro Municipal e Conselho Municipal
de Políticas Culturais na cadeira de Cultura Negra e Indígena.