Sabemos que nossas vidas nunca valeram tão pouco e que nossos pensamentos e ações de nada importam desde que estejamos do lado "certo” da via.
Entre nossos pares,
amigos e familiares podemos ser pessoas importantes e queridas, no entanto,
quando não aprovamos determinadas atitudes, imediatamente somos as chatas, as
do contra.
Nossos próprios
pares, se sentem no direito de nos constranger e oprimir para que concordemos
com eles. Não é possível permanecer oprimida e constrangida o tempo todo apenas
por não querer nos indispor com os mesmos.
A dita educação de
berço, nos ensinou a ser mulheres decentes, respeitosas e bem-educadas. Desde
sempre fomos incentivadas a falar baixo, sentar de pernas cruzadas e mastigar
de boca fechada, enfim. Importante é não questionar as regras, não desobedecer
aos mais velhos e, principalmente não discutir ideias. O que vale é discutir
sobre as pessoas, comentar sobre seus hábitos e sobre seus comportamentos.
Vulgarmente fofocar sobre as vidas de outras pessoas.
Minha hipótese e a de
autores cujas obras eu consumo é que o patriarcalismo e a herança que nos legou
tem consequências deletérias, perniciosas, sutis e insidiosas para a
deterioração dos laços sociais que geram dia após dia o engrossamento do
sintoma social mais evidente e gratuito que é a violência.
Lemos os números de
mortos, mas são apenas números para nós, não são pessoas, não são seres humanos
como nós. Negamos a própria existência quando dizemos que está tudo bem. Gente,
não está tudo bem! Não podemos seguir negando que ainda estamos numa pandemia,
mesmo que reportagens tratem como epidemia de corona vírus, no Brasil.
O aumento da
quantidade de feminicídios tanto de mulheres negras e periféricas quanto de
mulheres idosas, de pessoas LGBTQIA+ e o descaso da polícia e dos governantes
com a miséria e o sofrimento de trabalhadoras que perderam seus empregos, com a
juventude sem perspectivas de melhora de condições de vida e sobrevivência.
Lemos os indicadores
da violência, mas, não identificamos o quanto somos violentos quando negamos a
morte! Ao negar a pandemia também estamos negando a derrocada do país e do
sistema de governo, ainda mais com todas as PECs, Leis e petições que nos calam
e aviltam a constituição, os direitos e a liberdade.
Para além do capital,
está a vida e não deveríamos ter que escolher ou a bolsa ou a vida. Precisamos
nos responsabilizar por nossas escolhas e fazê-las consciente e racionalmente,
baseados na ética e não em favoritismos ou elogios vazios. É preciso nos
horrorizar com os números de mortos. Nos horrorizar com a destruição da
Amazônia. Nos horrorizar com a xenofobia, com o massacre de nações indígenas,
com o nosso próprio racismo, com nosso próprio machismo.
Para nos horrorizar,
é necessário reconhecer que também somos responsáveis coletivamente. Precisamos
tirar de nós o nosso próprio conservadorismo. É um exercício diuturno. Não é
fácil reconhecer que somos um pouco corruptos, somos um tanto preconceituosos
também somos privilegiados por termos aproveitado as oportunidades que tivemos,
mas, não é justificativa para ficarmos de braços cruzados, para reclamar ou nos
queixar que o poder é poderoso.
No discurso
hegemônico o macho, adulto, branco está no topo da cadeia alimentar, no topo da
pirâmide de importância social, portanto ele pode tudo. Pode roubar, matar,
violentar, enganar, só que não. Não aceitamos a hegemonia patriarcal. É
inaceitável e revoltante conviver com a violência cotidiana contra as nossas
vidas, contra os nossos corpos e contra as nossas mentes.
Alessandra Moreno
Maestrelli.
Mestre e doutora em
psicologia na USP de Ribeirão Preto, Psicanalista, psicóloga na atual gestão do
CRP 06, membra fundadora do Território lacaniano, membra do Coletivo Mulheres
na Política e do Coletivo Lugar de mulher é onde ela quiser.