Ao refletir sobre a violência contra as mulheres recebi uma dica oriunda de um provérbio africano: "veja o pôr do sol da sua própria janela”.
Ao refletir sobre a violência contra as
mulheres recebi uma dica oriunda de um provérbio africano: "veja o pôr do sol
da sua própria janela”. Ao longo dos meus quase sessenta anos sofri algum tipo
de violência pelo simples fato de ser mulher? Ocupando espaços em que mulheres
representam menos de 30% vivenciei cenas de violência em função das relações de
gênero? A pessoa que me lê pode pensar: Por que a dúvida? Você saberia! Será?... Revendo meus passos, percebo que nem
sempre a violência é explícita, e por onde transito ela é ainda mais sutil.
Em um clube de leitura virtual, tivemos
a oportunidade de analisar um livro que aborda uma CEO que trabalha numa empresa de prestígio. Uma das tônicas é a
violência sutil que essa mulher foi levada a praticar contra outra mulher, a
babá de sua filha, para galgar e manter o seu cargo, e assim viabilizar o tal
"sucesso” profissional.
Vivemos numa sociedade em que a
violência contra as mulheres está sempre presente. Não me refiro aqui à
violência física, noticiada diariamente: tapas, socos, facadas, tiros. Mas a um
outro tipo de violência, menos visível, que ignora as especificidades do corpo
da mulher. Afinal, como diz Rita Lee "Mulher é bicho esquisito, Todo o mês
sangra”!
Esse sangue escoado mensalmente é
ignorado sob o ponto de vista trabalhista. A mulher/adolescente é obrigada a
trabalhar/estudar desconsiderando seu corpo, gerenciado por hormônios ou pela
falta deles. O ciclo hormonal da mulher inclui dores e desconfortos
habitualmente ignorados. O modelo "produtivista" dificulta o
resguardo quando o corpo pede cuidados. O ritmo insano da produção, a jornada
de 44/40 horas de trabalho semanal impede o desenvolvimento pleno da pessoa
humana, a divisão igualitária do trabalho doméstico e dos cuidados com as
crianças entre as pessoas do núcleo familiar.
A questão central é que a sociedade
ignora e pune a diferença de forma cruel. À exemplo do Projeto de Lei 14.214
que foi sancionado com vários vetos. Entre os quais, pasmem, o Art. 1º que
institui: "[...] o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para
assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros
cuidados básicos de saúde menstrual.". Esse auxílio específico é
importante para que as mulheres/adolescentes de baixa renda possam existir com
um mínimo de dignidade. Sobretudo, porque a situação do Brasil é crítica, entre
outras questões, o poder aquisitivo da população cai todos os dias.
Se é difícil combater a violência
explícita, o que dizer da implícita, simbólica? Não há respostas fáceis, mas
questões para reflexão. Que modelo de sociedade é esse em que não se pode viver
na plenitude o item mais básico da existência que é o nosso próprio corpo?
Precisamos urgente de novos paradigmas de organização social. Enquanto isso,
políticas públicas de estado são necessárias para a redução das violências
contra a pessoa humana.
Socorro Rangel - Docente voluntária no Departamento de Matemática da UNESP-SJRP, participa do Grupo Com-Ciência, 21 dias, 21 vozes femininas pelo fim da violência contra a mulher.