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Supremo decide que Estado deve ser responsabilizado por jornalista ferido em manifestação

Por: FOLHAPRESS - MATHEUS TEIXEIRA
10/06/2021 às 18:30
Brasil e Mundo

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (10) que o Estado deve ser responsabilizado por jornalistas que são feridos...


BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (10) que o Estado deve ser responsabilizado por jornalistas que são feridos durante a cobertura de manifestações públicas.

Por 10 a 1, os ministros votaram para reconhecer o direito do fotógrafo Alex Silveira de receber indenização por ter sido atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha disparada por um policial militar de São Paulo.

O ferimento ocorreu quando o profissional cobria para o jornal Agora, do Grupo Folha, um protesto de servidores na avenida Paulista, em 2000. A lesão deixou o fotógrafo com apenas 15% da visão no olho.

O caso foi julgado pelo Supremo em um recurso com repercussão geral, o que significa que o entendimento fixado nesse processo valerá para todas as ações similares em curso no Judiciário.

Os ministros aprovaram uma tese que deverá ser aplicada pelas instâncias inferiores da Justiça em casos similares a esse e que prevê a “responsabilidade civil do Estado em relação a profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes”.

A regra, porém, não valerá nas ocasiões em que “o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física”.

No caso concreto, em primeira instância, o fotógrafo obteve uma vitória e teve reconhecido o direito de ser indenizado em cem salários mínimos, além da necessidade de ser ressarcido dos gastos com despesas médicas e medicamentos.

Em segundo grau, a 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP reconheceu que o profissional não era um dos manifestantes, mas afirmou que a culpa por ter sido atingido pela bala de borracha foi dele mesmo.

Como os ministros decidiram pela retomada da eficácia da decisão de primeiro grau, o valor da indenização deverá ser mantido em cem salários mínimos. Os magistrados não decidiram, porém, sobre o pedido apresentado pela defesa no recurso protocolado no Supremo para que o fotógrafo tenha direito a pensão vitalícia.

Apesar de a situação do fotógrafo estar em discussão na Justiça há quase 20 anos, o tribunal afirmou que esse tema só deverá ser abordado na análise de embargos de declaração, caso os advogados recorram para que esse ponto da decisão seja esclarecido.

Em segundo grau, o colegiado do tribunal paulista entendeu que, como Alex permaneceu no local do tumulto e não se retirou de lá após o conflito tomar proporções agressivas e de risco à integridade física, a culpa pelo episódio era exclusiva dele.

Os ministros do Supremo, porém, criticaram a posição do TJ-SP. Cármen Lúcia afirmou que “chega a ser quase bizarro” culpar o fotógrafo por ter levado o tiro. O ministro Marco Aurélio, por sua vez, disse que o TJ-SP “violou o direito ao exercício profissional, no que assentada a culpa exclusiva da vítima”.

O magistrado disse que, “ao atribuir à vítima, que nada mais fez senão observar o fiel cumprimento da missão de informar, a responsabilidade pelo dano, o Tribunal de Justiça endossou ação desproporcional, das forças de segurança, durante eventos populares”.

Luís Roberto Barroso, por sua vez, afirmou que a cobertura jornalística de uma manifestação é de interesse público e, portanto, é dever do Estado proteger esses profissionais.

"O jornalista não estava lá correndo o risco em nome próprio, ele estava lá correndo o risco pelo interesse público. E todos nós temos o interesse de saber o que está acontecendo em uma manifestação", disse.

Alexandre de Moraes seguiu a mesma linha e afirmou que não há nenhum elemento nos autos do processo que aponta para a culpa exclusiva da vítima por ter levado o tiro da polícia. “Não é razoável exigir dos profissionais da imprensa que abandonem a cobertura de protestos. Estaríamos cerceando o exercício da liberdade de imprensa.”

Para Moraes, nesse cenário, o Supremo estaria propiciando notícias incompletas, imprecisas e equivocadas. "Há risco? Há. Mas o risco é maior se o Poder Judiciário entender que a cobertura jornalística não tem nenhuma proteção", disse.

O fato de o julgamento no Supremo envolver uma ameaça à atividade da imprensa no país levou entidades de defesa do jornalismo e da liberdade de manifestação a ingressarem no processo.

Diante da relevância do assunto, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo investigativo) e a Artigo 19, entidade internacional de defesa dos direitos humanos, pediram ao STF para serem ouvidas na causa como partes interessadas, condição que na linguagem técnica do direito é denominada amicus curae.

A retomada do julgamento também mobilizou organizações que atuam em defesa do jornalismo e dos direitos humanos.

Uma carta aberta endereçada aos ministros afirmou que o julgamento seria um momento crucial para corrigir "uma grave injustiça que marca um dos episódios mais emblemáticos de violência contra comunicadores em contexto de protestos no país".

Hoje morando na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, Alex estuda oceanologia na FURG (Universidade Federal do Rio Grande) e, apesar das severas restrições causadas pelo ferimento no olho, realiza alguns tipos de trabalho de fotografia, principalmente na área do meio ambiente.

Nesta quinta, o único a divergir no STF foi o ministro Kassio Nunes Marques, indicado à corte no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro. Para ele, o Supremo não deveria reconhecer um direito genérico a jornalistas em casos de cobertura de manifestações públicas.

“O que não se pode é, sob o argumento da liberdade de imprensa, instituir a regra abstrata de que a vítima, apenas pelo fato de ser jornalista, nunca contribuirá pelo evento danoso”, disse.

O magistrado afirmou que é necessário levar em consideração que há casos de jornalistas que assumem riscos de maneira imprudente e contrariam normas de segurança. “Ou seja, a sociedade pagaria pelo grave risco voluntariamente assumido por ele."

Relator do processo, Marco Aurélio ficou vencido ao sugerir a fixação da seguinte tese: “Viola o direito ao exercício profissional, o direito-dever de informar, conclusão sobre a culpa exclusiva de profissional da imprensa que, ao realizar cobertura jornalística de manifestação pública, é ferido por agente da força de segurança”. Ao final, porém, prevaleceu a tese sugerida por Alexandre de Moraes.

Marcelo Träsel, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), considerou a decisão do Supremo positiva. Segundo ele, "o STF corrigiu a injustiça cometida contra Alex Silveira pelo TJ de São Paulo e cumpriu seu dever constitucional ao defender a liberdade de imprensa".

Ele afirma que a entidade "espera que esta decisão sirva de alerta às forças de segurança e governadores em todo o Brasil, para que respeitem o trabalho dos jornalistas, fotógrafos e outros profissionais de comunicação envolvidos na cobertura de protestos e outros eventos".

O presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, Paulo Zocchi, disse que "a decisão do STF é um marco para a afirmação da liberdade de imprensa e do exercício do jornalismo no Brasil. A PM ataca jornalistas com o claro objetivo de impedir que os profissionais registrem a violência com a qual reprime manifestações sociais".

Para Zocchi, que também é vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, "o STF foi claro ao determinar a responsabilidade do Estado neste caso, entendendo que o jornalista foi ferido por agentes do Estado enquanto exercia uma função de interesse público, qual seja a de coletar informações de relevância e divulgá-las para toda a sociedade".



Publicado em Thu, 10 Jun 2021 18:19:00 -0300







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