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O ex-senador Aloysio Nunes Ferreira
Foto por: Senado Federal
O ex-senador Aloysio Nunes Ferreira

’Não há hoje nuvens de tempestade se formando no horizonte político de Rio Preto’, diz Aloysio Nunes

Por: Maria Elena Covre
11/10/2020 às 09:40
Política

Para ex-senador e ex-ministro, democracia não corre risco, mas bolsonarismo é uma "corrente de opinião reacionária, totalitária e intolerante, que saiu do armário”


Aos 75 anos de idade, Aloysio Nunes Ferreira é o político rio-pretense com maior projeção nacional e internacional na história da cidade até o momento. Formado em direito pela USP, pós-graduado na Universidade de Paris, advogado e professor, é também um intelectual celebrado no meio jurídico e universitário. 

Duas vezes deputado estadual, três vezes deputado federal, vice-governador de São Paulo na gestão Luiz Antonio Fleury Filho, senador da República com a maior votação do Estado em 2010. Em 2014 foi candidato a vice-presidente na chapa tucana encabeçada por Aécio Neves. Além dos postos conquistados nas urnas, foi também ministro da Justiça e ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). E ministro das Relações Exteriores de Michel Temer (MDB). 

Nesta entrevista exclusiva ao DLNews, que vem buscando ampliar o olhar sobre o processo eleitoral com personalidades e intelectuais de Rio Preto, Aloysio faz sua leitura da política local, nacional e internacional. E analisa como estes cenários se cruzam. Para ele, é difícil o fenômeno Jair Bolsonaro se repetir nas urnas em 2018 da forma como ocorreu. 

Mas, para o ex-senador rio-pretense, além de Bolsonaro, há o bolsonarismo, que ele define como uma "corrente de opinião reacionária, totalitária, intolerante, que acabou encontrando no ex-capitão uma expressão política que, antes dele, não estava disponível e, por isso, saiu do armário”. 

Aqui, ele diz ainda o que levou o bolsonarismo a se manifestar com tanta força em Rio Preto, lança críticas ao PSDB, o seu partido, fala da falta de protagonismo da legenda na cidade e também dos impactos das eleições norte-americanos para o Brasil. Vale a pena conferir...

DLNews:  O senhor acredita que a onda de insatisfação generalizada que varreu veteranos da política local na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal em 2018 vai se repetir nos legislativos municipais em geral e em Rio Preto no particular?
Aloysio Nunes: O mandato de vereadores é, em grande medida, resultado de relações de proximidade, de confiança pessoal, de vínculos comunitários ou corporativos, que resistem a tsunamis políticos alimentados por grandes movimentos de opinião pública. Além do mais, não há hoje nuvens de tempestade se formando no horizonte político de Rio Preto. Há, ao contrário, estabilidade atestada pelo grande favoritismo do prefeito Edinho Araújo, um personagem moderado, de centro, largamente conhecido pelo eleitorado da cidade. 

DLNews: Porque, na opinião do senhor, o bolsonarismo se manifestou de forma tão intensa em Rio Preto? 
Aloysio Nunes: O bolsonarismo manifestou-se fortemente em Rio Preto pelas mesmas razões do seu triunfo no Brasil: insatisfação generalizada com a vida política institucionalizada em torno dos eixos PT-PSDB; uma crise econômica duradoura que erodiu os rendimentos de largas camadas da população, especialmente da classe média; o escândalo provocado pela corrupção; a emergência das redes sociais como fator de mobilização política; entre outros fatores. Essas circunstâncias fizeram com que Bolsonaro fosse visto como aquilo que ele não é, um mito, homem providencial. Sua vitória, sem partido político a respaldá-lo, com poucos recursos financeiros visíveis, com um estilo popularesco de comunicação direta com o povo, foi um fato inédito na política brasileira, que não acredito possa se repetir. Mas, além de Bolsonaro há o "bolsonarismo”, uma corrente de opinião reacionária, totalitária, intolerante, que acabou encontrando no ex-capitão uma expressão política que, antes dele, não estava disponível e, por isso, saiu do armário. Esse movimento político arrastou atrás de si eleitores de direita moderada e de centro-direita que investiram em Bolsonaro na ausência de uma candidatura capaz de derrotar o PT. 

DLNews: Esse bolsonarismo tem poder para definir os rumos das eleições em Rio Preto se o presidente decidir subir em algum palanque para a prefeitura? Acredita em transferência de votos neste momento?
Aloysio Nunes: Não vejo entre os candidatos de direita em Rio Preto ninguém que tenha atributos de prestígio popular, de experiência e consistência política capaz de ser um bom receptor de um eventual apoio do presidente Bolsonaro. Ainda mais contra um prefeito que tem, segundo pesquisa publicada no DLNews, 58% de aprovação. 

DLNews: A reeleição, prerrogativa aprovada no mandato de FHC, volta a ser questionada. Acha que deveria ser revogada ou a considera válida ainda?
Aloysio Nunes: Sou favorável à reeleição. Já o era antes da Emenda Constitucional que a instituiu no Brasil, meu argumento é simples: se o eleitor está satisfeito com o desempenho do chefe do Executivo não há por que negar-lhe o direito de reconduzi-lo, ao menos uma vez. Essa foi, aliás, a tese que prevaleceu nos Estados Unidos quando foi elaborada sua Constituição, há cerca de 200 anos. Os interessados em Ciência Política podem recorrer aos "Papéis dos Federalistas” encontráveis na Internet, onde se travou fascinante debate a esse respeito, entre os Pais Fundadores da república norte-americana. 

DLNews: Por que, em Rio Preto, o PSDB nunca conseguiu o mesmo protagonismo que conseguiu em esfera estadual e nacional, mesmo com líderes de calibre alto, como o senhor e o ex-deputado Vaz de Lima? Como o senhor vê a forma como o partido acabou, depois de uma tentativa de renovação, capitulando e subindo no palanque do prefeito Edinho Araújo? 
Aloysio Nunes: O PSDB perdeu o protagonismo na política rio-pretense por falta de... protagonismo. Faz 20 anos que o PSDB disputou a prefeitura como cabeça de chapa, com Ivani Vaz de Lima. Depois, contentou-se com o papel de coadjuvante. Minha carreira política levou-me a disputar e ocupar cargos em outras esferas, embora sempre tivesse mantido profunda ligação com Rio Preto. Tivemos bons desempenhos em eleições parlamentares, para governo e para presidência. Eu mesmo tive uma enorme votação na cidade para o Senado. Mas, nas questões locais, não fomos capazes de fazer a diferença a ponto de sermos reconhecidos pelo eleitorado como opção. O PSDB foi perdendo representatividade, fechando-se em si mesmo, a ponto de não ter sequer um representante eleito na Câmara Municipal. O atual diretório, sob a direção de Manuel de Jesus, trabalhou com afinco para uma oxigenação do partido num esforço que se reflete na composição da nossa atual chapa de candidatos a vereador. Esse esforço culminou no lançamento da candidatura a prefeito do Dr. Pupo, abortada na antevéspera da convenção por razões que não sou capaz de discernir. 

DLNews: O senhor já ocupou o cargo de Ministro das Relações Exteriores do Brasil. A China é nosso principal cliente e constantemente é atacada em redes sociais por ministros do atual governo, inclusive o atual chanceler. Isto não coloca em risco as relações com nosso principal cliente?
Aloysio Nunes: Esses ataques à China são, na verdade, ataques ao interesse nacional brasileiro. Além de ser o principal cliente das nossas exportações, há investimentos de origem chinesa em setores vitais para o nosso desenvolvimento, nas áreas de mineração, infraestrutura, energia e tecnologia. Além da parceria econômica, temos com a China uma relação estratégica, por compartilharmos interesses na governança do mundo em temas como mudança climática e regras estáveis de comércio internacional. O governo norte-americano não se conforma com a ascensão impetuosa e inelutável da China. Mas este não é um problema nosso: é problema dos Estados Unidos que veem, ameaçado por ela, sua posição de número 1 do mundo. Não temos por que comprar brigas alheias. Entre Estados Unidos e China, devemos escolher os dois. 

DLNews: O governo Bolsonaro se considera amigo do governo Trump. Entretanto, isto não se refletiu em resultados práticos para o Brasil. Os americanos são nossos concorrentes mundiais no mercado do álcool, soja e carnes. Considera que um tratado de livre comércio como foi defendido pelo governo FHC e pelo atual governo seria benéfico para o Brasil?
Aloysio Nunes: O mal do governo Bolsonaro é considerar que os governos têm amizades quando, na verdade, têm interesses. Isso deve valer para todos os governos, especialmente para o governo Trump que tem como lema "America first”. Trump bate nas costas de Bolsonaro e diz que ele faz "a great job”, mas multiplica as demandas contra as exportações brasileiras na Organização Mundial do Comércio, taxa pesadamente as exportações da nossa siderurgia, enquanto exige que escancaremos nosso mercado de etanol. Dificilmente um tratado de livre comércio seria viável no curto prazo, pela razão mencionada na própria pergunta: somos grandes concorrentes dos Estados Unidos em itens importantíssimos para a pauta comercial dos dois países. 

DLNews: Como o senhor explica a posição um tanto "acuada” do PT e do PSDB, os dois principais protagonistas da política nacional no pós-redemocratização, diante do avanço da extrema direita? Qual a responsabilidade das duas legendas em relação ao atual cenário?
Aloysio Nunes: A responsabilidade foi não terem oferecido alternativas à extrema direita que acabou, como já disse, engolfando a direita moderada. O PT aferrou-se à ideia de que Lula poderia ser candidato e com isso bloqueou alianças no campo da esquerda e desmereceu a própria candidatura Haddad. O PSDB, por outro lado, enredou-se em suas disputas internas criando obstáculos sérios à decolagem da candidatura Alckmin. 

DLNews: Muito se fala de que o PT e Lula precisam fazer uma autocrítica. Chegou a hora de o PSDB fazer o mesmo?
Aloysio Nunes: Eu fui formado em uma escola política em que a crítica e a autocrítica precisam ser permanentes, como regra de conduta. Penso que o PSDB teve um papel muito positivo no Brasil quando foi governo com FHC e em São Paulo com Covas, Alckmin e Serra. Na oposição parlamentar, não jogamos na linha do "quanto pior, melhor”. Eu mesmo desempenhei um papel de relevo na tramitação de algumas propostas apoiadas também pelos governos do PT, como por exemplo, o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, o Código Florestal e a Comissão da Verdade. Minha crítica hoje ao partido ao qual pertenço é a sua indefinição em relação ao governo Bolsonaro e o silêncio ensurdecedor que observa em relação aos aspectos mais negativos da atual gestão como na área da educação, da cultura do meio ambiente, do tratamento dispensado aos povos indígenas e o frenesi armamentista. Chegamos ao ponto de ter um senador do PSDB como vice-líder do governo no Senado. Se continuarmos assim, não haverá espaço na opinião pública para uma candidatura presidencial do PSDB. 

DLNews: O senhor, que viveu os efeitos de um regime militar, vê um cenário de temor, de risco à democracia, hoje. No atual cenário, o senhor se define como centro, esquerda ou direita? 
Aloysio Nunes: Não vejo riscos à democracia no Brasil. Tive muitos contatos com os militares brasileiros, especialmente no meu mandato de senador, quando atuei na Comissão de Relações Exteriores de Defesa Nacional. A alta oficialidade com quem tive ocasião de discutir questões da defesa nacional, é composta de pessoas cultas, dotadas de patriotismo e profissionalismo no desempenho de suas funções constitucionais. A gritaria golpista de Bolsonaro, sua família, parlamentares oportunistas e fanáticos do tipo "os 300 de Brasília”, hoje não têm mais influência real nos rumos da política brasileira e nunca chegaram a sensibilizar os militares. Bolsonaro hoje é apenas um presidente despreparado, vulgar e sem um projeto consistente para o País, mas mantém altos índices de popularidade muito resultantes da reedição e da turbinagem do Bolsa Família, que ele tanto criticou na campanha. 
Quanto à minha posição, não pretendo enveredar agora numa discussão que remeta à filosofia política. De modo geral, a direita está associada à ordem, à hierarquia e à conservação do status quo. Eu me identifico mais com valores como a igualdade, a inclusão social, a liberdade e a tolerância face à diversidade. Eu hoje sou um democrata radical. 

DLNews: Que nota o senhor dá para os governos Edinho Araújo, João Doria e Jair Bolsonaro? Por quê?
Aloysio Nunes: Fui professor durante 10 anos. Hoje, não sou mais. Aos políticos, não atribuo nota. A eles dou ou nego o meu voto. Não votei em Bolsonaro, votei em João Dória, e voto no Edinho Araújo. 

DLNews: Um palpite para as eleições norte-americanas e as consequências desse resultado para o Brasil.
Aloysio Nunes: A essa altura, me parece que a eleição de Biden é o cenário mais provável. Ele não só está à frente nas pesquisas nacionais, como também nos estados decisivos para votação no colégio eleitoral. A rigor, o Brasil não está no radar da política norte-americana. Na América Latina, os políticos americanos se preocupam mais com México, Cuba, Colômbia e Venezuela. A nossa atual diplomacia dilapidou o patrimônio diplomático que o Brasil acumulou ao longo de décadas e estamos hoje muito isolados no mundo, literalmente pendurados na figura de Trump. A hipótese da eleição de Biden acentuará o isolamento do Brasil em temas que são muito caros ao eleitorado democrata, como meio ambiente e direitos humanos. Não creio que Biden tomará iniciativa de hostilizar o Brasil. No entanto, o protecionismo econômico dos democratas é tão intenso, senão mais, do que o dos republicanos.    







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