Acontecimentos do cotidiano que só um motociclista pode compreender
São José do Rio Preto, 12h30,
região central da cidade. Ao sair do trabalho, em minha moto, sigo com destino à
minha casa, no bairro Vida Nova Fraternidade. No trajeto, tumulto. Todos querem
almoçar, a vida exige pressa até para as necessidades fisiológicas mais comuns.
Ninguém quer tirar o pé do acelerador.
Para evitar os riscos da movimentada
SP-310 (rodovia Washington Luís) com seus caminhões movidos a rebite, escolho o
caminho mais longo, ou o "menos pior”, como costumo dizer – rumo à avenida
Nadima Damha (tapete aos motoristas da área nobre da cidade), sentido Engenheiro Schmitt. Entro na estrada vicinal João Parise, onde a poucos metros de distância a realidade é outra e visito outra Rio Preto.
Estradas vicinais sempre são (ou
deveriam ser) tidas como uma opção segura aos motociclistas que preferem não
estar expostos às velocidades mais altas dos veículos maiores nas rodovias. Ironicamente,
foi nessa vicinal que num dia chuvoso de abril de 2017 eu derrapei com a moto
no asfalto e quebrei a tíbia da perna esquerda. Fratura simples, cirurgia
complexa, uma placa e cinco pinos no osso abaixo do joelho. Uma cicatriz enorme
e algumas limitações. Até hoje não recebi o seguro DPVAT.
Um pouco antes de passar no local
do acidente que me deixou em recuperação por aproximadamente um ano, nesse
trajeto já flagrei motoristas fazendo ultrapassagem irregular, vi tratoristas
com suas máquinas e caminhões com cargas pesadas provocando lentidão no trânsito,
vi pedestres atravessando a via correndo (um deles chegou a morrer atropelado no
ano passado, na rotatória que sinaliza os loteamentos Amoras I e II), quase
atropelei um cachorro abandonado, quase fui atingida frontalmente por motoristas
que fizeram ultrapassagem irregular novamente, quase derrapei na terra, quase
fui atingida pelos carros dos condutores que não respeitam um dos poucos
semáforos que tem ali: o da esquina que dá acesso a outro bairro. Não consigo
contar os buracos e quantidade de recape, que dão aquela sensação de rali. Uma
verdadeira aventura na vicinal que apelidei de "Vicinal da Morte”. Com tantos radares espalhados em locais desnecessários pela cidade, ali não tem nenhum.
Passando pela área composta por
diversos galpões de empresas, quase entrando em Engenheiro Schmitt, o cenário se
assemelha a um apocalipse zumbi legítimo da série The Walking Dead. Quem lembra
da primeira temporada? É bem por aí. Perto
do Ponto de Apoio é onde se concentram os urubus – é comum ver as aves pretas e
mórbidas ali, o cheiro de carniça misturado ao calor excessivo faz jus à
comparação.
Quase não tem sinalização, mas
tem uma placa sinalizando que estou perto do conhecido "Carlinhos de Oxóssi”. Fico
me perguntando quantas espadas de São Jorge são necessárias para Ogum abrir os caminhos
daquela trilha. São Cristóvão, protetor dos motoristas, rogai por nós!
Se chove é pior. Eu rezo para não
chover ali. Poças d´água, grandes enchentes se formam e aquela terra toda
escorre para o meio da pista, formando-se um rio de água escura. Quem passa por
ali é corajoso ou não tem outra opção. Passando os "Doces Noêmia” e mais perto
do meu destino, ainda tem outros dois obstáculos: a linha do trem e a primeira
via de acesso ao Fraternidade – a rotatória do Buffet Manoel Carlos.
Aí me surge outra pergunta: Depois
de vários acidentes, um atropelamento fatal e tantos riscos evidentes, o caos
formado em dias chuvosos, por que somente poucos meses antes das eleições municipais
foi iniciada uma obra lá? O objetivo é nobre – recuperar erosões e implantar
galerias nos córregos Santa Regina e Bela Vista. O investimento é de R$ 1,6
milhão. A demanda era antiga, segundo o secretário da pasta. Eu nem preciso
contar para vocês o que acontece na lateral do Vila Conte, na estrada que vai
para o Pesqueiro do Papa quando chove, não é mesmo?
Há 13 anos fiz de Rio Preto minha
casa e me encho de orgulho ao dizer na querida Pirassununga, minha cidade
natal, como moro em uma cidade bem desenvolvida do interior paulista.
Na antessala do próximo ciclo administrativo a partir do ano que vem, espero um olhar para os munícipes como um todo. Ká entre nós, eu
espero não ser a próxima motociclista a perder a vida em um acidente de
trânsito que poderia ser evitado.
Karol Granchi tem 32 anos, é
jornalista desde 2010, também formada em locução e rádio. Atualmente é
produtora de jornalismo no SBT no Interior e repórter do DLNews.