O virologista Maurício Nogueira, professor da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, faz análise sobre as mudanças no Brasil com o 1º caso da doença confirmado no País.
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (SP) - Na terça (25), tivemos a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no país (o chamado Sars-CoV-2) pelas autoridades sanitárias. O que isso muda para o Brasil?
Na verdade, a situação tem mudado
rapidamente e de forma dinâmica, e este é apenas mais um detalhe de uma
situação cada vez mais preocupante. Outras notícias também nos causam
preocupação. O
número de casos na Itália, na Coreia do Sul e no Irã parecem sugerir que
temos uma transmissão sustentada, e não apenas casos esporádicos fora da Wuhan.
Até alguns dias atrás, a maioria
dos casos fora da China eram de pessoas que viajaram para a região ou que
tiveram contatos próximos com elas.
Agora
temos uma outra situação epidemiológica na qual mais países estão mantendo uma
transmissão local. O fato de a Itália ter transmissão comprovada pode
ser o primeiro sinal de uma pandemia, já que no caso do vírus Influenza o
critério da OMS de pandemia é "transmissão sustentada de um novo vírus em duas
regiões diferentes”.
Outra notícia preocupante ontem
foi a constatação do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos de que a
epidemia do novo coronavírus CoV-2 lá será apenas uma questão de quando vai
acontecer e com qual gravidade.
E aqui? Com o primeiro caso e
neste contexto mundial, sou tentado a seguir as palavras do CDC e também
acreditar que agora é questão de tempo para a epidemia chegar e sabermos com
qual gravidade.
Qual o caminho agora? A
preparação intensiva para o surto. Algumas boas medidas, porém, já têm sido
tomadas há alguns anos. Na verdade, desde a epidemia do H1N1 em 2009, os
hospitais brasileiros criaram mecanismos muito positivos para controle de
doenças respiratórias. Máscaras são distribuídas logo na emergência, protocolos
de isolamento são seguidos e métodos de diagnostico de vírus respiratórios
foram incluídos nas suas rotinas.
Novos hábitos contra gripe,
popularizados em 2009, como lavar as mãos regularmente (de preferência com água
e sabão, mas álcool também ajuda), cobrir tosse e espirro com as
mãos, evitar lugares cheios durante a epidemia e procurar imediatamente o
sistema de saúde quando surgirem sintomas sugestivos, são extremamente válidos
e efetivos para o CoV-2.
Outro agente importante nesta
mudança é o Estado brasileiro. Em todas as suas esferas (municipal, estadual e
federal), os planos de contingência devem estar preparados. A confirmação do
caso deve elevar a prontidão de todos esses programas. A vigilância
epidemiológica deve estar bastante sensível para detectar precocemente os
casos, e medidas de contenção (nem sempre simpáticas) devem ser tomadas
rapidamente. O Estado deve estar pronto e preparado para usar o código
sanitário para o bem da população e evitar o populismo individualista, caso
sejam necessárias medidas como as tomadas na Itália (cancelar missas, jogo de
futebol e mesmo aulas em escolas).
Dois pontos importantes:
1) O governo (e em especial o do
estado de São Paulo) precisa investir fortemente na sua rede de laboratório. É
sintomático que duas doenças emergentes tenham sido detectadas na rede privada
(O sábia e o CoV-2). A rede pública de São Paulo (que inclui Pasteur, Instituto
Biológico e Adolfo Lutz) tem uma grande experiência e pessoal altamente
qualificado para agir nestas situações, mas foram sucateados nos últimos
governos. São Paulo e o Brasil precisam destes órgãos funcionando na sua
plenitude.
2) Para controlar a epidemia de
CoV-2 vamos precisar também controlar a epidemia de fake news no assunto. Não
existem tratamentos milagrosos, não existem vacinas homeopáticas, não existem
conspirações por trás disso tudo. Existe a emergência de um novo vírus,
fenômeno esperado e explicado pela biologia, e cabe à ciência procurar e
entregar as saídas.