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Aos 77 anos e preso a uma cadeira de rodas, palhaço Pouca Roupa relembra tempos áureos no picadeiro

Por: Augusto Fiorin - especial para o DLNews
01/12/2019 às 10:07
Cidades

Com cambalhotas e paródias escrachadas, ele arrancou o riso das faces mais ranzinzas. Com amor e dedicação, extorquiu lágrimas dos mais sensíveis. Hoje, mesmo debilitado, segue disseminando a arte de deixar os dias mais leves.


Com 77 anos comemorados em 19 de novembro, João Ayres Nogueira sorri a cada lembrança do tempo em que deu vida ao palhaço Pouca Roupa. Na espaçosa casa do Jardim Mundo Novo, em Rio Preto, revê o passado em centenas de fotos e exibe com orgulho o título de "Rei do Picadeiro”.

Nascido debaixo da lona de um circo-teatro, em Ribeirão Bonito (SP), Ayres ainda celebrou, no último mês, 73 primaveras dedicadas à beleza circense. São mais de sete décadas sustentando sonhos e possibilitando entretenimento a quem lhe assiste. Mas devido aos muitos problemas de saúde, suas aparições são cada vez mais raras. Acostumado a promover eventos beneficentes, Pouca Roupa só consegue andar amparado por uma cadeira de rodas. Levanta com dificuldade da cama em que passa a maior parte do dia, mas garante que a alegria jamais será deixada de lado em seu dia a dia.   

"Continuo me permitindo ser feliz”. As pernas estão abatidas, mas a memória é afiada. Com a foto da mãe na cabeceira da cama, Nogueira declama trechos de quando se apresentou como Pouca Roupa pela primeira vez. "Dediquei minha vida ao personagem, não tem como esquecer. Foi em Franca, em 1962, quando assumi o posto que era de um primo”, diz. 

De lá pra cá muita coisa aconteceu. Em 1967, Pouca Roupa desembarcou em Rio Preto, comprou o próprio circo, fez fama e ganhou o dinheiro que lhe possibilita conforto e dignidade até os dias atuais. "Sempre fui reservado com as finanças”, garante.

Aposentado, é casado com Lúcia Ayres, 68, e pai de três filhos: Joca, Luciane e Karine. O trio herdou a paixão pela lona colorida. O mais velho também é palhaço. As duas mulheres são trapezistas e contorcionistas. Uma família formada por artistas. 

Com rotina mais caseira, tem sido raro sair de casa. Divide o tempo entre a saudade e a TV. Lembra dos muitos famosos com quem conviveu no auge da profissão. Xororó, da dupla com Chitãozinho, é padrinho de uma de suas filhas. Milionário, José Rico, Tião Carreiro, Pedro Bento, Zé da Estrada não saíam de sua residência. "Muitas composições famosas nasceram neste mesmo imóvel”, afirma. "Mas a evidência afasta as pessoas dos bons amigos”, complementa. 

Recebe muitas propostas para levar sua arte aos mais diversos cantos da cidade. Guarda com carinho a peruca rosada, o nariz vermelho vibrante, a maquiagem multicor e, principalmente, a vira-lata Neguinha, a cachorra bege de pelúcia que o acompanhou por tantos palcos. "Mas está mesmo difícil”, declara. 

Se não bastasse a fragilidade das pernas, Pouca Roupa foi diagnosticado com doença mais séria. "Já está sendo tratada”. Reconhecido como o principal palhaço de Rio Preto, todos os circos que se instalam no município o presenteiam com ingressos. O artista, então, faz o caminho inverso e passa de personagem principal a mero espectador. "É uma saudade muito forte, dessas que só os palhaços sentem”. 

Atualmente, Pouca Roupa se prepara para comemorar outra data importante. Não menos significativo que o dia de seu aniversário, o Dia do Palhaço é festejado com pompa e circunstância pela família Ayres. A celebração foi realizada pela primeira vez em 10 de dezembro de 1981, em São Paulo e, ao longo dos anos, se estendeu ao país. "Temos todos os motivos para solenizar”, explica.  

Com as festas beneficentes que promoveu, doou mais de mil bicicletas a crianças carentes de toda a região. Realizou o sonho de meninos e meninas que retribuíam apenas com sorrisos. Para o palhaço, o maior dos agradecimentos.  Entre um álbum e outro, vai às lágrimas ao lembrar da avó, com quem foi criado. Ao mesmo tempo, sorri ao memorar uma tia, considerada a maior globista do mundo. Clama para que os homens não maltratem as mulheres e finaliza dizendo sobre o que realmente o tira do sério: não ver o artista aplaudido. Pouca Roupa fecha os olhos, parece estar sendo recepcionado no picadeiro em que reinou com uma salva de palmas estrondosa. Na platéia imaginária, fortes rajadas de risos. Para ele, o espetáculo não pode parar!







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