Carolina era o nome dessa mulher negra e moradora da favela, nascida no início do século em 1914 na cidade de Sacramento, Minas Gerais. Frequentou a escola apenas até o segundo ano do Ensino Fundamental quando já despertou seu interesse pelos livros.
Ao se mudar para São Paulo, foi trabalhar de empregada doméstica e
aproveitava as horas vagas para ler os livros da biblioteca da casa da família
onde trabalhava. Após ficar grávida, Carolina deixou de ser empregada doméstica
e foi trabalhar como catadora de papel. Passou a morar na favela do Canindé,
onde criou seus três filhos. Entre as pilhas de papel que conseguia recolher,
reservava os melhores para relatar a vida na favela.
Em 1958, um jornalista – Audálio Dantas – visitou a favela para
realizar um trabalho e conheceu Carolina e seus textos. Com a ajuda de Audálio,
Carolina publicou seu primeiro livro
"Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, que fez muito sucesso na
época com milhares de cópias vendidas.
Com o dinheiro que ganhou com as publicações deste e de vários
outros livros, Carolina conseguiu sair da favela e comprar uma casa.
Entretanto, voltou a catar papel, pois o que recebia possibilitava a ela e a
seus três filhos uma vida pouco acima da linha da pobreza, algo aparentemente
injusto uma vez que seus livros continuavam a ser vendidos. Faleceu em 1977 aos
63 anos por insuficiência respiratória.
Devo confessar que há muito pouco tempo atrás ouvi falar sobre
Carolina Maria de Jesus. Meu interesse aumentou quando, em 2021 ela foi
homenageada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e, mais recentemente, iniciei a leitura do livro "Quarto
de Despejo: Diário de uma Favelada”. Sempre fico impressionada com a capacidade
da autora de nos levar ao seu mundo e conhecer de mais perto a realidade de uma
vida de muita escassez. Por mais de uma vez, interrompi a leitura porque não
era fácil imaginar a vida dessa mulher para se sustentar e sustentar seus
filhos que muito facilmente poderiam morrer de fome. Segue um trecho que pode
dar uma ideia da vida sofrida de Carolina e de sua capacidade de relatar o
sofrimento: "A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool
nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter
só ar dentro do estômago.”
Na realidade, não é fácil acreditar na dura realidade vivenciada
por Carolina e por tantas e tantas mulheres até os dias de hoje. Não é fácil
acreditar que após mais de 60 anos, a história de Carolina ainda é muito atual
e as dificuldades e sofrimentos relatados por ela estão acentuados com muito
mais violência, desigualdade, discriminação e sofrimentos causados por
desastres ambientais. Não é fácil pensar em mais de 33 milhões de brasileiros
tremendo de fome, como relata Carolina.
Mais de 17 milhões de brasileiros, 8% da população, vivem em
favelas e desses, 67% são pessoas negras, porcentagem que está acima da média
nacional que é de 55%, segundo dados do Instituto Locomotiva, Data Favela e
Central Única das Favelas. É possível que este número cresça, uma vez que, sob
o governo atual, políticas públicas que diminuem a pobreza e melhorem as
condições de vida dos mais pobres foram totalmente exterminadas. O país voltou
ao mapa da fome.
Convido à leitura de Carolina, não apenas como forma de valorizar
esta mulher negra e escritora com seu talento reconhecido, mas também para
tomarmos consciência da realidade da pobreza e da fome no nosso país.