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Brasil redescobre Portugal em Bienal do Livro que coroa união de autores e mercados

Por: FOLHAPRESS - WALTER PORTO
01/07/2022 às 20:30
Famosos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Justo no ano em que se completam dois séculos de sua independência, o Brasil assiste novamente ao desembarque de uma caravana de port...


SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Justo no ano em que se completam dois séculos de sua independência, o Brasil assiste novamente ao desembarque de uma caravana de portugueses em suas terras. Mas desta vez é a convite.

Portugal é o grande homenageado da Bienal do Livro de São Paulo, onde um pavilhão com mais de 60 atividades ao longo de nove dias busca afinar laços entre os dois países e pensar o passado e futuro de uma relação fundada no colonialismo.

A comitiva do país de Saramago traz 21 escritores, de lusitanos célebres como Valter Hugo Mãe e Ricardo Araújo Pereira, colunista deste jornal, a lusófonos de outros cantos —como a moçambicana Paulina Chiziane, ainda na esteira do Camões, o timorense Luís Cardoso, ganhador de um inédito prêmio Oceanos, e o angolano Kalaf Epalanga, sucesso da Flip em 2019.

O evento coroa um estreitamento recente da interlocução literária entre os dois países. Como diz Matilde Campilho, outra lusa que virá para o evento, "durante muitos anos não nos conhecemos tão bem quanto poderíamos, literariamente falando", mas "nos últimos tempos isso vem cada vez mais a mudar".

A escritora lança pela editora 34 seu primeiro trabalho em prosa, "Flecha", e lembra a Macondo como outra casa que dedica atenção fina aos seus contemporâneos —assim como a portuguesa Douda Correria faz com brasileiros jovens como Adelaide Ivánova, Ana Martins Marques e Angélica Freitas. "E estamos só nos poetas."

O mercado editorial de cá também tem fincado bandeiras na terra de Camões —da independente Nós à gigante Companhia das Letras— e, no caminho inverso, a portuguesa Tinta-da-China acaba de renascer no Brasil ao se unir à Associação Quatro Cinco Um e a consagrada Assírio e Alvim inaugurou seu próprio escritório em São Paulo.

"Era uma relação que já existia", afirma o escritor Thales Guaracy, que comanda agora o braço brasileiro da editora. "A frequência de compradores da Assírio era em primeiro lugar, Lisboa, em segundo, São Paulo, e em terceiro, Rio de Janeiro. Produzir direto no Brasil vai tornar tudo mais barato."

A Assírio e Alvim é uma casa de tradição cinquentenária, responsável por estabelecer a obra de Fernando Pessoa como a conhecemos hoje. Há dez anos, sua operação foi comprada pela Porto, a maior editora de Portugal, e um crescimento de 40% no ano passado foi a faísca que faltava para enfim se lançar à aventura brasileira.

"Portugal é um país pequeno que se torna grande pela cultura", afirma Guaracy. "O poeta português é um instrumento da identidade nacional, enquanto aqui no Brasil tratamos esse patrimônio com descaso."

Uma opinião mais cética aparece na fala da portuguesa Dulce Maria Cardoso, autora de grife publicada pela Tinta-da-China e pela Todavia, que dá risada quando o repórter comenta que Portugal é um país com boa reserva de autoestima quanto à própria cultura.

"Qualquer coisa fugaz faz com que pensemos que somos os melhores ou os piores do mundo", brinca a escritora.

O argumento reflete uma cronista mordaz de seu país, também uma de suas autoras mais admiradas. "Eliete", que Cardoso lança durante a Bienal, foi destacado no prêmio Oceanos ao narrar a vida de uma mulher solitária de meia-idade que espelha a geração que nasceu depois da Revolução dos Cravos.

Numa cena de clímax do romance, toda a cidade em torno da protagonista entra em catarse com o triunfo da seleção portuguesa no Campeonato Europeu, e Cardoso aproveita para pintar um panorama breve e sofisticado dos tais orgulhos nacionais.

Aquele que se ouvia no ar, escreve ela, era "o grito que espetou lanças em África e cravos nos canos das metralhadoras, que matou reis e ditadores, que expulsou celtas, visigodos, romanos e espanhóis, que forrou igrejas com ouro do Brasil, que queimou hereges, que dobrou o cabo da Boa Esperança, que traficou escravos, que assinou Tordesilhas, o grito dos filhos do esplendor de Portugal".

Cardoso diz ter a impressão de que chegam poucos escritores brasileiros ao seu país, e se vendem ainda menos, o que lamenta —por acreditar, com o perdão de seus compatriotas, que a literatura brasileira costuma ser mais aberta a riscos.

"Não é que haja nada em Portugal contra a literatura brasileira, tenha certeza, o que há é ausência de políticas culturais efetivas. Não podemos esperar que essas coisas aconteçam por acaso. É bonito o discurso de que somos países irmãos, mas tem que haver uma política que nos ponha a trabalhar em conjunto."

Importante registrar que o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, estará na cerimônia de abertura da Bienal do Livro neste sábado. O governo Jair Bolsonaro também foi convidado, mas ninguém confirmou presença.

Na falta das instituições, as pessoas vão agindo. O livreiro Rui Campos, dono da Travessa, cumpre papel de diplomata informal entre as duas culturas. Há três anos, abriu uma filial em Lisboa que virou ponto turístico entre autores e leitores de ambos os países.

"O mercado editorial português é muito sólido, mas o de livrarias andava fraco, dominado por lojas ligadas a redes e editoras", afirma. "Nada com a autenticidade de uma Martins Fontes, uma Argumento, o que tornou a Travessa um sopro de renovação."

Segundo Campos, os movimentos promissores da literatura brasileira de hoje —lembre que "Torto Arado" foi editado e premiado antes em Portugal que no Brasil— têm se refletido num aumento de demanda por nossos autores clássicos e contemporâneos.

Já a leitura de autores lusófonos no Brasil, para o livreiro veterano, foi impulsionada pelo surgimento da Flip, que apresentou ao público o carisma de escritores radicados em Portugal como José Eduardo Agualusa e Valter Hugo Mãe.

Foi também em Paraty, no litoral fluminense, que Matilde Campilho causou estrondo com "Jóquei", o livro mais vendido daquela edição de 2015, com seus poemas apelidados carinhosamente de "luso-cariocas".

Era um trabalho assentado "nas ligações entre o Rio e Lisboa", lembra ela, que tinha dentro do coração brincar com "os dois sotaques de uma língua só". Distraída e sem querer, talvez Campilho resuma sozinha o lema de toda uma Bienal.

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BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE SÃO PAULO

Quando De 2 a 10 de julho; de seg. a sex., das 9h às 22h; sáb. e dom., das 10h às 22h

Onde Expo Center Norte

Preço De R$ 15 a R$ 30



Publicado em Fri, 01 Jul 2022 20:29:00 -0300







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