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Professor Juarez Xavier: "Fui chamado de macaco. Reagi, fui esfaqueado! Mas antes, ele sentiu a fúria negra! Laroye!"
Foto por: Arquivo pessoal
Professor Juarez Xavier: "Fui chamado de macaco. Reagi, fui esfaqueado! Mas antes, ele sentiu a fúria negra! Laroye!"

"Brasil voltou ao século 19", diz professor esfaqueado em Bauru, que recebeu apoio do Conselho Afro de Rio Preto

Por: Karol Granchi
22/11/2019 às 13:50
Cidades

O Conselho Municipal Afro de Rio Preto publicou nota de repúdio ao ataque racista contra o professor e doutor Juarez Xavier, docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Bauru, esfaqueado e ofendido na tarde da última quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra, ao sair de um supermercado, na avenida Nações Unidas, na cidade do interior paulista.


A professora de Física Mônica Abrantes Galindo, do Departamento de Educação e do Núcleo Negro de Pesquisa e Extensão (Nupe), da unidade da Unesp em Rio Preto, e integrante do Conselho Afro, considera a violência sofrida pelo docente e amigo reflexo de um comportamento que vem sendo incentivado pelas atuais autoridades e lideranças políticas do governo federal.

"É importante a gente lembrar que essas atitudes de violência não brotaram de um dia para o outro. Nós temos lideranças políticas no governo que estão, de certa forma, autorizando a violência contra os negros e outras classes com atitudes e comentários que reforçam e autorizam toda uma sociedade a agir dessa forma. Na realidade, essas pessoas sempre pensaram desse jeito e agora se sentem encorajadas a praticar esses atos de ódio”, afirma.

Doutora em Educação, Mônica defende que o trabalho da imprensa é necessário para deixar em evidência os crimes de violência contra negros, seus posicionamentos políticos, culturais e sociais, além de resgatar a memória da população em torno desses assuntos.

"O trabalho da imprensa e da mídia tem seu lado positivo quando deixa evidente dados e fatos reais de violência, opressão e dificuldades que os negros enfrentam no Brasil. Por outro lado, é mais importante ainda que a imprensa não deixe que esses acontecimentos caiam no esquecimento. É preciso acompanhar os desdobramentos até o fim. A imprensa é a memória coletiva da sociedade, se ela deixa de acompanhar um assunto, a sociedade esquece”, analisa.

Dados da Violência

O informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado neste mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que a população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de homicídios do que os brancos. Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, 255 mil mortes de pessoas negras por assassinato foram registradas nos seis anos analisados – de 2012 a 2017 houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população preta e parda, passando de 37,2 para 43,4. Já o indicador da população branca se manteve constante em torno de 16.

Resistência Negra

Docente da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, e assessor da pré-reitoria de extensão universitária e cultura do campus de Bauru, a vítima – o professor e doutor Juarez Xavier, de 60 anos, é militante desde os anos 1980 e um dos fundadores da União de Negros pela Igualdade (Unegro) – que completou 31 anos de criação em julho de 2019. Ainda se recuperando do ataque, o docente, que é pesquisador de questões étnico-racial e presidente executivo do Nupe, conversou com a reportagem do DL News sobre a repercussão nacional da violência que sofreu e de como está se recuperando após a agressão.

"O crime não foi tipificado como racismo e tentativa de homicídio, mas como lesão corporal e injúria racial. Essa tipificação desidrata a denúncia e abre brechas para que os racistas fraudem a lei. Como negro, não aceito isso e, com meu advogado, vou aguardar os desdobramentos para agir e cobrar as autoridades. Como pessoa, me sinto forte e abraçado por tantos grupos e movimentos negros de todo o país, além diversas pessoas que me procuraram para se solidarizar comigo”, disse.

O professor contou que, após o ataque, foi atendido rapidamente pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e pelos médicos da UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) Geisel. "O atendimento de todos os profissionais foi excelente, o que reforça as políticas públicas de saúde. Tomei as vacinas, fui medicado e estou bem. Durante toda a minha militância, já fui alvo de ofensas e tentativas de constrangimento, mas foi a primeira vez que sofri uma violência dessa natureza”.

Para se defender do agressor, Juarez reagiu e usou técnicas da capoeira. "Fui chamado de macaco. Reagi, fui esfaqueado! Mas antes, ele sentiu a fúria negra! Laroye!”, publicou em sua página no Facebook.

"Faço parte de uma campanha que diz ‘Macaco é macaco! Banana é banana! E racismo é crime! Rebele-se!´, acha que eu não iria reagir a um ataque desse no dia da Consciência Negra? Eu sabia me defender, mas e se fosse uma mulher negra idosa? Provavelmente o fim dessa história seria outro. Não sei nada sobre o autor da agressão, não o conheço, mas acredito que ele oferece um perigo à sociedade e deve ser devidamente punido”, afirmou. O autor do crime chegou a ser detido e indiciado, mas foi liberado pela Polícia Civil após pagar fiança de R$1 mil.

Para o professor, o estado brasileiro é formando dentro de uma Constituição antinegra, patriarcal e capitalista. "A Constituição nos mostra um aparelho de persuasão e coesão brutal. O racismo é estrutural no Brasil, nós vemos isso nas diversas reações do cotidiano. Os mecanismos são voltados para que o negro tenha salários baixos, menos acesso à educação, saúde e mercado de trabalho. E quando se fala de violência o negro ou é o alvo ou é apontado como o causador”, analisa.

"É preciso quebrar ideias preconceituosas baseadas em teorias do racismo científico do século 19 e que estão e repetindo no século 21 com o segregacionismo, onde tudo é feito para tirar o negro de seus direitos e espaços. A grande imprensa tem o dever de apresentar dados factuais de violência social e morbidade dos negros para que colabore, cada vez mais, para não alimentar visões preconceituosas”.

Confira, na íntegra, a nota de repúdio do Conselho Municipal Afro de Rio Preto

"O Conselho Municipal Afro de São José do Rio Preto vem por meio desta manifestar repúdio perante a abominável ação racista realizada contra o Prof. Dr. Juarez Xavier, docente da Unesp de Bauru. Em pleno dia da "Consciência negra” o professor foi ofendido e covardemente atacado com uma faca.

A atitude contra o professor, importante líder do movimento negro e reconhecido no meio universitário por sua atuação acadêmica, é mais uma, dentre inúmeros outros casos, do racismo brasileiro. É por isso que este Conselho realiza ações educacionais e culturais que valorizam a identidade afro-brasileira em prol da construção de uma sociedade mais diversa e justa. Além disso, acompanhamos e reivindicamos junto ao poder público ações punitivas contra aqueles que insistem em praticar os crimes de conotação racial, indo, aliás, na contramão daquilo que está consagrado no artigo 3º de nossa Constituição "Cidadã”: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Em busca de uma sociedade mais fraterna e menos preconceituosa, este Conselho se solidariza com o Prof. Dr. Juarez Xavier na expectativa de que a Justiça cumpra seu papel na punição de seu agressor e as ações desenvolvidas neste mês da "Consciência negra” pelo Brasil afora possam, doravante, evitar que ações deploráveis como esta voltem a ser recorrentes em nosso país.”







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