Eu sei contar.
Mas não sei contar multidão. Também não importa quantidade. Importa?
Por isso não sei dizer quanta gente passou, no domingo de manhã, pelo anfiteatro da Represa Municipal, onde gente feliz, de todas as partes da cidade, fez acontecer uma balbúrdia daquelas.
Tinha livro, tinha quadro, tinha varal de bordado, tinha
música, ginástica, canto e teatro. Tinha
alegria, tinha emoção, tinha partilha e tinha festa. Tinha até café. Eu tomei.
Protestar assim é o jeito mais transgressor de desobedecer.
Isso mesmo. É
desobediência celebrar com arte e cultura, canto e poesia, liberdade e alegria,
diante de um governo sombrio que aposta na desunião, na tristeza e na carranca.
Lá, entre sol e brisa suave, falou-se de meio ambiente, de
igualdade social, de escola e hospital inclusivos, de formas diferentes de
amor. Ouvi algo em torno de comida sem
defensivos. É isso mesmo. Orgânica, real, saudável... vida.
Tá bom. Tinha partido
também.
Tinha entidade, tinha textura, bandeira, camiseta e cartaz.
Não vamos pensar que tudo isso caiu do céu. Afinal, lutar pelo melhor do mundo
é coisa pra quem tem cara, posição. Só não tem medo.
Mas eles e elas, ah elas... falavam das mesmas coisas. De tal forma que no final estava tudo
colorido e com todas as cores representadas.
Senti um orgulho enorme.
Grandeza mesmo. Um misto de alegria e vitória, cada vez que me virei e
vi um cidadão de bem. Uma guerreira ou
um outro indivíduo igual a mim. Aspirando e expirando, transpirando os mesmos
sentimentos meus. Era a certeza de estar
do lado certo. Mais uma vez. Uma
convicção de saber-se um arauto da liberdade, da democracia. Do certo e do
justo.
Caramba. Se eu era moleque em 64, agora eu sou adulto. E
estou lá. Pra falar de flores, pra brigar pela paz.
Pra ensinar pros meus filhos, para aqueles que convivem
comigo, que se a gente não for lá, todo tipo de mudança, será sempre pra pior.
Idosos, crianças, jovens, adultos. Médicos, encanadores, professores e
desempregados. Andarilhos e ciclistas,
casais em passeio e mesmo policiais.
Todos deram as caras. Todos
aplaudiram aqui ou ali. Todos riram,
muitos choraram. Há quem dançou. E por isso, há quem dançará ainda mais.
E sabe? Pelo jeito não
vai parar por aqui. Que bom!
Dessa vez não me furtei ao meu compromisso. Ao chamado.
À vocação de patriota verdadeiro.
Sim eu fui. Sem lenço e sem documentos, com a certeza de que amanhã será outro dia e seguiremos caminhando e cantando, como nossos pais já fizeram um dia.