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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


O CASO DO IPVA-PCD: DISCRIMINAÇÃO, AVANÇO DE FRAUDES OU VORACIDADE TRIBUTÁRIA

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
20/07/2021 às 10:42
Azor Lopes da Silva Júnior

Nosso artigo de hoje se dirige especialmente a uma parcela dos leitores, que vinham sendo beneficiados com a isenção tributária, na compra de automóveis na categoria conhecida como PCD. Para os que não conhecem, a sigla PCD significa pessoa com deficiência.

São três as isenções tributárias para Pessoas com Deficiência: uma federal, que isenta do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e outras duas estaduais; nos Estados, essas isenções afastam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Aqui, trataremos exclusivamente do assunto no Estado de São Paulo, porque foi nele onde essas regras, sobre a isenção tributária dirigida à categoria PDC, foram recentemente alteradas em desfavor dos então beneficiados, gerando uma grande demanda judicial, que ainda se arrasta e se arrastará por muito tempo.

Quanto ao imposto federal sobre Produtos Industrializados (IPI) – que não é central nesse artigo – vale dizer que, historicamente, o benefício da isenção tributária fora incluído na Lei nº 7.613, de 1987, mas então exclusivamente dirigido às pessoas portadoras de deficiência físico-paraplégica; foi adiante, em 1991, que se tentou alargar os beneficiários, para incluir pessoas que, em razão de serem portadoras de deficiência física, não [pudessem] dirigir automóveis comuns; essa ampliação pretendida pela Lei nº 8.199, foi vetada pelo presidente Fernando Collor, porém acabou sendo aprovada em 1995, com a Lei nº 8.989, que inicialmente permitia a isenção tributária do IPI por uma única vez e, mais tarde, viria a Lei 10.690, de 2003,  para, além de alargar o benefício para todas as pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal e, ainda possibilitar sucessivas compras de automóveis com isenção, desde que o veículo anterior tivesse sido adquirido há mais de três anos; também esse prazo de isenção na troca do veículo sofreria alterações: foi reduzido para 2 anos pela Lei nº 11.196, de 2005; em seguida aumentado para 4 anos pela Medida Provisória nº 1.034, de 2021; e novamente fixado em 3 anos, pela vigente Lei nº 14.183, de 2021.

De outra banda, no âmbito estadual (aqui analisado e, tão somente, com foco no Estado de São Paulo), a isenção do ICMS vem pela Lei nº 6.374, de 1989, que a concede somente no caso de veículo automotor com adaptação e características especiais indispensáveis ao uso do adquirente paraplégico ou portador de deficiência física, impossibilitado de utilizar modelos comuns, enquanto a isenção do IPVA é concedida pela Lei nº 13.296, de 2008, inicialmente beneficiando a aquisição de um único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física, o que, em 2017, seria ampliado para qualquer pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista, com o advento da Lei nº 16.498.

Ocorre que, em 15 de outubro de 2020, estabelecidas novas medidas de ajuste fiscal e de equilíbrio das contas públicas, foi aprovada, promulgada e publicada a Lei nº 17.293, que restringiu a isenção do IPVA somente à pessoa com deficiência física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua situação individual, excluindo o benefício a milhares de contribuintes paulistas, o que acabou por gerar várias demandas judiciais, dentre elas, duas Ações Civis Públicas, uma proposta pelo Ministério Público (Processo nº 1001399-53.2021.8.26.0053) e outra pela Defensoria Pública (Processo nº 1004428-14.2021.8.26.0053).

Sustenta a Defensoria Pública paulista, que a nova lei teria ferido o princípio tributário da anterioridade, enquanto o Ministério Público questiona a falta de isonomia de tratamento das isenções no IPVA e aponta surgir, agora, uma discriminação entre as deficiências; são, portanto, fundamentos bastante distintos aqueles defendidos pelo Ministério Público, daqueles invocados pela Defensoria Pública.

Por seu lado – sabe-se lá se suspeitando avanço do número de fraudes ou buscando ajuste fiscal – a Fazenda Pública de São Paulo aponta que nos últimos quatro anos, o número de veículos com isenção PCD cresceu de 138 mil para 351 mil, enquanto a população paulista com deficiência teria crescido apenas 2,1% (de 3.156.170 em 2016, para 3.223.594 pessoas em 2019), elevando de R$232 milhões para R$ 689 milhões o volume de recursos que deixaram de ser recolhidos pelo Estado, nesses casos de isenção de IPVA às pessoas com quaisquer tipos de deficiência, daí porque agora se conceder isenção do IPVA somente em se tratando de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua situação individual. Na linha de raciocínio da Fazenda do Estado, a persistir esse estado de coisas, restaria uma injustiça tributária reflexa, na medida em que essas isenções imporiam tratamento desigual entre os contribuintes em geral, aos quais se impõe o pagamento do tributo estadual.

O tal princípio da anterioridade – fundamento jurídico em que se baseia a Defensoria Pública – é o que proíbe seja cobrado um tributo no mesmo exercício financeiro (mesmo ano) em que tenha sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou (é a chamada anterioridade anual); cobrança que se proíbe, também, antes de passados 90 dias da publicação dessa lei (aqui é a chamada anterioridade nonagesimal); ambas proibições têm fundamento no artigo 150, inciso III, alíneas "b” e "c” da Constituição Federal.

Em resumo e em regra, um imposto não pode ser cobrado no mesmo ano em que tenha sido criado e somente valerá exigi-lo depois de 90 dias que publicada a lei que o instituiu. Fica assim evidente, que a vontade do legislador constituinte foi de evitar que o contribuinte se visse surpreendido, pela União, pelos Estados, Distrito Federal e municípios, com encargos tributários impostos de última hora.

E bem por isso, essa é a tese sustentada pela Defensoria Pública de São Paulo, apontando que, como a Lei Estadual 17.293 foi publicada no dia 15 de outubro de 2020 e em 01 de janeiro de 2021 se deu o fato gerador  do imposto (nesse caso, IPVA sobre automóveis anteriormente comprados com isenção tributária), quando então passados apenas 78 dias e não aqueles 90 dias de antecedência exigidos, resultanto descumprimento à anterioridade nonagesimal), estabelecida pelo artigo 150, inciso III, alíneas b e c da Constituição Federal.

No plano da argumentação jurídica, a Fazenda do Estado sustenta que não haveria descumprimento à anterioridade nonagesimal, porque, precedentes do Supremo Tribunal Federal já estão assentados, no sentido de que a revisão ou revogação de benefícios fiscais não estão presas à observância das regras de anterioridade tributária previstas na Constituição, por se tratar de questão vinculada à política econômica, que pode ser revista pelo Estado a qualquer momento; mais ainda, no caso específico do IPVA, a Suprema Corte já tem expresso que a extinção ou a redução de um desconto condicional para pagamento desse tributo pode ter efeitos imediatos.

Prevalecendo a tese sustentada pela Fazenda Estadual, quanto a inexigência de respeito à anterioridade nonagesimal para a extinção ou redução do IPVA, maiores chances de sucesso teria a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público paulista, tanto porque, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo – ainda em sede de liminar – que, de fato, a nova Lei Estadual nº 17.293 gera situação aparentemente discriminatória entre os portadores de deficiência e, por essa razão, ao menos por ora, determinou a suspensão do pagamento do IPVA, em relação aos contribuintes portadores de deficiência que tinham isenção de recolhimento no exercício de 2020; mas, aviso ao navegantes: essa decisão pode ser revista no final do processo, porque, como o dissemos, ela foi simplesmente uma medida liminar.

O que de fato a nova lei exige, para a concessão da isenção do IPVA, é que o veículo automotor seja especificamente adaptado e customizado para sua situação individual e, ainda, que sejam avaliados, caso a caso, pela autoridade administrativa da Secretaria da Fazenda, o preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos para sua concessão.

Até lá, é bom que o contribuinte deixe seu dinheiro reservado (ou até pague o IPVA 2021), porque alegria de pobre dura pouco – que não me digam de mau agouro ou maledicente – se logo vier decisão final e cobrança do tributo, salvo se – perdoem-me, ainda, pela ilação – as morbidades próprias da idade, de boa parte das altas autoridades públicas, as tiverem feito beneficiárias dessa isenção; a conferir...






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