Bendito o fruto do vosso amor
Por: Jill Castilho
31/08/2020 às 13:20
Jill Castilho
Conhecerá a seguir a mãe que não pari, não concebe, não ovula e nem mesmo é mulher. Onde o início da jornada maternal advém das dores profundas de uma família desfeita
Mergulhe no seu íntimo, esqueça suas referências maternas. Desfaça seus ideais de mães femininas, imaculadas, abdicando de si em prol da prole. Conhecerá a seguir a mãe que não pari, não concebe, não ovula e nem mesmo é mulher. Onde o início da jornada maternal advém das dores profundas de uma família desfeita.
Dois homens, um negro e outro branco, sem útero, sem a capacidade de gestação biológica, com uma simples capacidade, a de Amar. Não conceberão seus herdeiros, nem mesmo perpetuarão suas hereditariedades, apenas conhecerão os três seres que poderão ou não serem seus filhos. Porque nesta história, de se conhecer os filhos, só o Amor não basta, é preciso ser Forte, Corajoso e Resiliente para poder ter um final feliz.
Estava a navegar, junto a meu marido, em oceanos profundos, em um barco a velas, equipado com todas tecnologias possíveis, procurando terra firme, quando avistamos um barquinho de madeira faltando partes, deteriorado pelas águas revoltas, à beira de um naufrágio. Mudamos a nossa rota para chegarmos mais perto, quando percebemos a sua tripulação, que não havia nenhum adulto, apenas três crianças com pouca diferença de idade entre elas, o MaisVelho tentando remar sozinho, cuidando dos seus irmãos o DoMeio e a Caçula.
Antes de atracar nesta embarcação simples, nos intrigamos com a força e atitude dessas crianças. Quando entramos, com a permissão deles, claro, vimos que estavam à deriva a quatro anos, sobrevivendo graças à boa ação de outros barcos que passaram por lá. Então, perguntei o porquê de permanecerem ali e de não terem ido embora com os outros barcos. O MaisVelho me respondeu que os outros barcos não quiseram levar o barquinho deles de madeira, já todo danificado pelas tempestades. Aí indaguei-os novamente, "Mas deixasse aqui este barco, não serve pra nada” fui interrompido pelo MaisVelho, num tom ríspido, dizendo com indignação, "Como assim não serve pra nada?! Estamos vivos graças a ele”, imediatamente percebo a minha falta de sensibilidade e peço desculpas. O menino completa, "Só porque o barco está feio e quebrado, não significa que não sabe navegar”. Pedi desculpas mais uma vez, até ele se acalmar. Logo depois, o DoMeio, disse em tom de ultimato que se quiséssemos levá-los deveria ser junto com o barco, única condição para embarcarem conosco.
A princípio nos assustamos em embarcar três crianças e mais um barquinho naquele estado, com madeiras encharcadas de água. Apesar de estar degradado, o barquinho foi muito bem construído com madeiras raras e muito resistentes, por isso era muito pesado, não sabia se o nosso barco aguentaria o peso, corria o risco de naufragar.
Ficamos ali por horas tentando alternativas para embarcar o barco de madeira. Pensamos em puxa-lo com uma corda, mas com a velocidade do nosso barco o barquinho poderia despedaçar, as madeiras não aguentariam tamanha velocidade. Se colocássemos no convés, poderia quebrar o nosso barco. Então, de repente, a Caçula, uma menina linda, que nos encanta com sua personalidade, diz afoita, "simples, é só desmontar o barco, despois nós cinco construímos novamente”. O DoMeio com uma esperteza impar e inteligência invejável, começou a calcular quantas madeiras poderiam ir de cada lado do barco, assim o nosso barco não afundaria.
Havia uma quarta possibilidade a qual não pensamos naquele momento, era de deixa-los os três lá à deriva da sorte e da benevolência de outros. Porém, algo muito maior que nossas racionalidades e nossos corações não nos permitiam sequer imaginar esta separação. O encontro com estas crianças, apesar das circunstâncias delicadas, foi especial, encontramos em seus olhares algo em nós mesmos que nem sabíamos que existiam, sentimentos tão avassaladores que nos imobilizavam diante de qualquer coisa.
A história continua na próxima publicação.