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Márcio Correa

Jornalista


Preparar... Apontar... Fogo!

Por: Márcio Correa
21/08/2019 às 11:31
Márcio Correa

Todos tiram fotos. Adultos, adolescentes ou crianças, todos as cultuam. Digitais ou analógicas, grandes, pequenas, profissionais, amadoras... Para não falar dos aparelhos celulares, Iphones, Motorolas, Samsungs, LGs, etc. e toda sorte de pequenos e, estes sim, pretensiosos aparelhos que intentam resumir todos os desejos numa única cartada, ou melhor, "palmada”. Os novidadeiros refestelam-se.... É assim que se fala? A ignorância também.

Fotografar é coisa eminentemente prática. Apontar e disparar. Se analógica ou convencional, guardar o aparelho na bolsa e curtir, mais tarde, as emoções advindas do fato e reafirmadas no ato. O ato fotográfico dos "negativos” positivos e operantes. Senão, curtir as emoções/frações de segundos após, nem é mais clicar, tocar, nem é mais tocar, ordenar ao smartphone. Tudo muito legal e rápido, instantâneo e divertido, certo? E a finalidade, ao final das contas, é essa mesma: diversão, prazer, satisfação. Ainda que - Como assim? Então trabalhar é sofrer? - profissionalmente. 

E mostrar fotos? Mais prazeroso até do que tirá-las. Aprovar o resultado e dele vangloriar-se. Colocar  em veículos midiáticos, tão diversos quanto a natureza dos temas, o testemunho conivente das luzes que refletiram nossas aventuras. Lícitas e, não raro, ilícitas. Haja dedos. 

Nem vou me aprofundar na questão semiótica da coisa… Na mão dupla do "ele está morto e vai morrer” que é o ato fotográfico. Do indissociável " E assim aconteceu” que define toda fotografia. Basta olhar as imagens daqueles que já se foram! Pois é.... A eternidade merece muito mais de nosso carinho e atenção, juntos e shalow now! Desculpem, não me aguentei. Somos, nós próprios, retratos de nossa época!

Pena que um controle do enquadramento, uma composição, luz ou ponto de vista geralmente sejam tratados como um luxo dispensável nessas ocasiões. Ainda que isso não impeça absolutamente que se esteja bem na fita, ou melhor, na foto. Ainda que, no balcão dos laboratórios fotográficos, ou do próprio PC, viceje frequentemente uma frustração proporcional ao entusiasmo com que se levaram as "chapas” ao suporte de papel. Ou aos pixels. E então é que talvez percebamos a falta que faz certo domínio da linguagem fotográfica. A abordagem mais simples de sua sintaxe, acreditem, enseja milagres.

"Ora direis...” citando Bilac, "olhar estrelas...”. Para olhar estrelas não é preciso ser astrônomo. Para escrever algumas linhas com um mínimo de coerência não é preciso ser Fernando Pessoa ou o Aurélio. Nem Gal ou Elis Regina (Viva os anos 1970!), se o objetivo é cantar no banheiro. Que tal celebrar, de forma mais consciente e eficaz, as benesses e capítulos desse mundo que lemos e compartilhamos.

Mas chego ao local da ocorrência e cesso agora as reflexões. E diante daquela cena meu discurso vale zero. As pessoas agora parecem doces e realmente amorosas nos abraços coletivos da grande rede. À ignorância empresto o nome compassivo de ingenuidade. Como um deus destronado, eis que me rendo e a todos absolvo de pecado!
Opõe-se aos meus olhos críticos o baço olhar de jovem adolescente alvejado no crânio por, pelo menos, cinco balaços à queima-roupa. O vermelho fogo empapa o entorno do corpo magro, de musculatura bem definida no traquejo diário com a vida na periferia. Vida ceifada sob encomenda e que interrompe os tons monótonos da fachada castigada do bar. Entre os curiosos de plantão, atenção e serenidade reinam mórbidos junto à vaidade deveras insinuante e técnica dos profissionais envolvidos na abordagem. E como se esmeram em demonstrar essa neutralidade "blasè” que, por vezes, os caracterizam durante o processo.

Preparo a câmera, aponto e disparo!

Envolto nas luzes dos faróis que iluminam o quadro, um perito, com o dedo médio, adentra este crânio e remexe ansiosamente a massa cerebral mal contida e liquefeita. Em dado momento, sorri e exibe o pequeno, mágico e trágico coelho tirado da cartola:
- Achei a primeira!
Mais quatro vêm em seguida. 
Sim... Os novidadeiros refestelam-se enquanto trabalho e, como um deus impotente, sofro!
A ignorância refestela-se, também, e com aquela naturalidade voraz de sempre, registrando todos os detalhes.






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