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Azor Lopes da Silva Júnior

Advogado, professor universitário e jornalista


Município, Estado e União podem impedir o livre exercício da atividade econômica?

Por: Azor Lopes da Silva Júnior
21/03/2020 às 10:13
Azor Lopes da Silva Júnior

Era exatamente 18h03 de hoje (sexta-feira), quando um querido ex-aluno e sócio de um sólido escritório de direito empresarial me telefonou para conversarmos sobre boatos de que o prefeito de São José do Rio Preto teria baixado decreto proibindo o comércio local, até sem definir a duração; sua preocupação representava a de seus clientes comerciantes, muitos deles transportadoras sediadas em outros municípios e até Estados do Brasil.

Para ajudar o amigo, saí em busca do texto de tal decreto junto a colegas do poder público municipal ao mesmo tempo em que, em 7 minutos, pude encontrar o vídeo de uma coletiva que era dada por autoridades municipais; dentre as autoridades me interessava ver a fala completa do Procurador-Geral do Município (pois o parecer que me pediram fora de ordem puramente jurídica e não outra, por mais importante que fossem quaisquer outras). Ouvindo atentamente ao Procurador-Geral, não percebi qualquer referência ao fechamento do comércio e então, de pronto, respondi ao colega (antigo ex-aluno) dizendo que ainda estava em busca do texto do decreto municipal, mas que a coletiva de imprensa não dava conta de qualquer notícia de interdição do comércio.

Para minha surpresa – seguida de espanto – exatamente às 18h27 recebo o texto do DECRETO MUNICIPAL Nº 18.559, DE 20 DE MARÇO DE 2020, que, entre outras coisas, por seu artigo 4º determina textualmente que (não simplesmente recomendava, mas determinava) "A partir de 23 de março de 2020, fica determinado: I – a suspensão de eventos no Município e das atividades dos estabelecimentos comerciais e de serviços no Município, exceto aos hospitais, farmácias e drogarias, serviços de saúde essenciais, estabelecimentos comerciais de alimentos sem consumação no local, distribuidoras erevendedoras de gás e postos de combustíveis;” (in verbis).

Entre colegas advogados coordenadores de comissões da 22ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil já pululavam semelhantes angústias; ora, com efeito, a pandemia provocou um misto de dúvidas sobre tudo (conhecimento médico, limites éticos, relações interpessoais, etc. e por que não sobre limites do Direito no Estado de Direito...).
Desculpem-me aqui agora pelo pragmatismo (justificada desde já porque, vencida a crise de saúde pública, inevitavelmente virão as demandas judiciais acusando os atropelos e reclamando indenizações); não deixo de ser sensível aos apelos humanitários, religiosos e éticos, mas no Estado de Direito há "regras do jogo”, até para períodos de convulsão intestina (Estado de Guerra, Estado de Defesa e Estado de Sítio, todos previstos na já antiga Constituição Federal "Cidadã” de 1988) e, em todas essas hipóteses, só o poder central (Presidência da República e Congresso Nacional) é que pode limitar direitos de livre locomoção, de propriedade, de livre iniciativa empresarial e de livre trabalho (cf.: artigos 21, V; 49, IV; 84, IX; 90, I; 137 e 138 da Constituição Federal), jamais o município ou mesmo os Estados Federados, ainda que autônomos (como dispõe o artigo 18 da Constituição Federal), porém nos termos da lei maior...

Nem por tudo isso desconhecemos que a LEI ORGÂNICA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, por seu artigo 8º,XXVII,estabeleça que caiba ao município "Ordenar as atividades urbanas, fixando condições e horários para funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e prestadores de serviços, observadas as normas federais e estaduais pertinentes”, mas atente-se ao nosso destaque no final deste texto normativo...

E isso tudo fica evidente quando, em plena pandemia do COVID-19 (Coronavírus), nem mesmo o presidente da República ou o Congresso Nacional ousaram fazê-lo; a própriaLEI Nº 13.979, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírusresponsável pelo surto de 2019, se conteve e não exorbitou para fora dos limites constitucionais (mesmo porque se o fizesse sujeitaria seus autores às penas dos crimes de responsabilidade previstos na LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950, que levam ao famigerado processo de Impeachement.

Na mesma esteira legalista, também não o fez o Governo do Estado de São Paulo, quando editou o DECRETO Nº 64.862, DE 13 DE MARÇO DE 2020, que preferiu, por seu artigo 4º, deixar ao setor privado do Estado de São Paulo que ficaria "recomendada a suspensão de:I – aulas na educação básica e superior, adotada gradualmente, no que couber;II – eventos com público superior a 500 (quinhentas) pessoas” sendo adiante acrescido, pelo DECRETO Nº 64.685, de 20 de MARÇO DE 2020, do seguinte: "III – até 30 de abril de 2020, no âmbito da Região Metropolitana de São Paulo: a) shopping centers, galerias e estabelecimentos congêneres; b) academias ou centros de ginástica”.

Em síntese (mesmo atento às mais relevantes preocupações comunitárias e humanitárias):

(1) o poder público municipal é autônomo em relação à União e ao Estado em que se acha circunscrito territorialmente (Art. 18 da Constituição Federal e, particularmente, Art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo), mas nos limites da Constituição;

(2) a mesma Constituição Federal (Art. 30, I) dispõe competir aos municípiosr "legislar sobre assuntos de interesse local” (mas a pandemia de Coronavírus é de interessa planetário e não local...);

(3) só o poder central (Presidência da República e Congresso Nacional) é que, por Estado de Sítio ou Estado de Defesa, pode limitar direitos de livre locomoção, de propriedade, de livre iniciativa empresarial e de livre trabalho, jamais o município ou mesmo os Estados Federados;

(4) de tudo é forçoso concluir que, malgrado as boas-intenções, o DECRETO MUNICIPAL Nº 18.559, DE 20 DE MARÇO DE 2020,do município de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, fere o sistema jurídico-constitucional ao determinar (e não simplesmente "recomendar”) "A partir de 23 de março de 2020, ... a suspensão ... das atividades dos estabelecimentos comerciais ... e de serviços no Município, exceto ... aos hospitais, farmácias e drogarias, serviços de saúde essenciais, estabelecimentos comerciais de alimentos sem consumação no local, distribuidoras e revendedoras de gás e postos de combustíveis” (in verbis).






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