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Angélica Zignani

Diretora artística e de elenco da Cia dos Pés e ativista cultural


Perceber

Por: Angélica Zignani
24/10/2019 às 14:22
Angélica Zignani

As lutas estão em crescente organização, as nomenclaturas cada dia mais ampliadas, existe método milagroso para tudo, passo a passo, certificações e doutrinas.

O ambiente de conexão permite perceber mais e mais muros, que apesar de ser possível espiar é mister não poder acessar.

As demonstrações de sucesso carregam as energias e motivam o operar constante de máquinas humanas, dispostas a usar o sangue como combustível para a conquista das marcas estabelecidas em todas as esferas da existência.

Estamos cada dia melhores, os meses mostram soluções mágicas e práticas para problemas que ainda não existem.

Envolta em todos esses recursos que experimentamos na atual humanidade, o ser mãe é então uma heroína de corpo esculpido, maquiagem perfeita, com ares angelicais, fala estupendamente calma e estimulante ao mesmo tempo, com negócios em Riga e Tiblissi, que dorme a noite toda e ainda tem disposição para um happy hour com o marido duas vezes na semana.

A jovem empreendedora, que mastiga as palavras e devolve a sabedoria com ares doutrinadores, ares esses vizinhos aos impostos pelas cruzadas em tempos remotos. 

Linda, inteligente, cozinha, lava, constrói legados que pensem no indivíduo produtivo e à parte do mundo.

Muitos são exemplos que podem ser assistidos de evoluções surpreendentes de humanos, feitos magníficos, imagens belas de atuações perfeitas de nossa condição de gente.

Mas, me diz, o que foi feito da reflexão, desse ato que envolve a existência interna, com possibilidades de ser assistida também, vista até. Por onde anda o sentimento, aquele de pertencimento e ternura. A admiração virou fera.

Os espaços de candura são tidos como escassos e atrasos para o Über desenvolvimento a que estamos empenhados.

Não é de se espantar as mortes infantis tratadas como dados, os alojamentos infantis tidos como necessários, as vidas infantis distribuídas nas ruas, vistas como escolhas individuais e mesmo em choque, ainda é surpresa perceber a frieza na fala de uma criança que mata.

Não precisamos dispensar a evolução estratosférica das performances realizadas hoje, mas é urgente perceber que o bom e velho sentimento ainda está lá, que por mais que deixemos de lado e não o contabilizamos economicamente, a minúscula e vertiginosa existência dele abala as imensas proteções de vidro e ares condicionados, os diálogos prontos e doutrinadores.

A crueldade é recheada de falta. 

Isso é sentimento, não tem outro nome.

Ainda que se tente abafar, o sentimento respira, em todos os cantos dessa monumental humanidade.

Perceber a potência dele é urgente.






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